A falta de pachorra para tolices (ou que nos parecem a nós tolices), a impaciência para com quem não nos compreende nem com explicações, a indisponibilidade para aqueles com quem não temos afinidade (mesmo quando a tivémos no passado), a insensibilidade para ouvir assuntos que nos parecem irrelevantes, bom, tudo isso são maldades.
Magoar os outros normalmente nem é intencional. A impaciência com que lhes cortamos o discurso que não nos interessa não é para os convencer que não têm nada de interessante a dizer e a falta de esforço para os compreender não tem como objectivo a sua tristeza. Pois, não é intencional mas é mau na mesma: analisem bem a coisa e verão que as raízes dessas acções moram no nosso egoísmo e na convicção de que NÓS é que sabemos, NÓS é percebemos, NÓS é que somos donos da verdade, enfim, NÓS é que importamos.
O egoísmo não é o Mal com letra grande mas é certamente um dos seus mais talentosos afilhados. Insidioso, sustentado na Natureza animal do instinto de sobrevivência, dissimulado pela ampla aceitação social, instala-se sem darmos por ele. Muito depressa, estamos a dizer convictamente:
- Se eu não tomar conta de mim, quem tomará? Eu defendo-me, os outros são crescidinhos, que se defendam a si próprios! Se eu não o fizesse era parvo pois ninguém o fará por mim!
E as pessoas à volta concordam. Na verdade, poucas pessoas nesse momento se lembram daqueles que, por uma razão ou por outra, não podem ou não querem defender-se destes pequenos atropelos e que por isso mesmo são sacrificados sem ruído. Que diabo, não se está a falar de matar alguém, não é? O problema é que não se mata ninguém mas mata-se qualquer coisinha; e de coisinha em coisinha, sem nunca o fazer drasticamente, estamos de facto a matar alguém sem dar por nada.
Ser uma expressão do Mal não é fácil, acho eu; mas ser uma expressão do mal é facílimo.
De vez em quando, apercebemo-nos que somos maus, assim, com letra pequenina. Não há nada a fazer quanto a isso, a palavra dita e a pedra atirada nunca voltam para trás; mas é sempre possível tentar ser melhor.
O que eu espero, sinceramente, é não perder nunca a capacidade de me aperceber que sim, ando a ser má com letra pequenina. Que Deus me ajude, porque se perco essa capacidade sabe-se lá onde vou parar.
Hélas!