sábado, 31 de maio de 2008

O senhor André

Ia a andar e parei no meio do passeio, de repente: uma velhota de vestes pobres, já com alguma dificuldade a mexer-se, remexia na mala gasta. Encontrou e retirou da mala uma carteira que já tinha visto melhores dias. Dessa, retirou uma moeda (não vi qual, mas parece-me que todas lhe fariam grande falta) que entregou, com um sorriso amigável, ao velho pedinte que se lamenta a quem passa naquele lugar.

Com o sorriso, uma frase quiçá mais preciosa: "- Tome lá, senhor André (André? Zé? Tomé? Não tenho a certeza mas acabava em "é"). Hoje não posso dar mais". E seguiu à vida dela.

Ela sabe o nome dele. Eu que ali o vejo todos os dias, eu nem sabia que ele tinha nome. Uma pessoa tem nome, um pedinte é anónimo.

Ela deu o que obviamente lhe faz falta. Eu, a quem nada falta, nunca lhe dei nada.

O homem é muito velho. Não pode ganhar o pão nem ninguém lhe dará essa oportunidade, mesmo que ainda possa fazer qualquer coisa a troco de uma sopa quente, como convém a um Homem.

Tem de o pedir à solidariedade alheia. E esta manifesta-se numa mulher de vestes puídas e limpas, porque os outros, os vestidos de roupa em bom estado, estão com pressa - ainda é hora de expediente.

Voltei a andar; quando passei por ele, o homem não olhava a moeda na mão nem chorava aos passantes. Olhava para ela, ou melhor para as costas dela, com uma expressão indefinível. Fiquei de repente envergonhada, de mim, dos outros, da sociedade, da Vida. De tudo e de todos. Mas não dela, que sabe o nome dele e lhe oferece com um sorriso a bucha da ceia e o reconhecimento da sua condição humana.

Hélas!

Basbaque

Às vezes, fico embasbacada. Petrificada, congelada, imóvel, estupidificada, uma vítima completa da Medeia.

Uma das coisas que tem imediatamente esse efeito são algumas interpretações do que digo (ou escrevo, sejam actas de reunião, relatórios secos, resumos de intenções ou artigos de mal-dizer).

Por exemplo, se eu digo: "o céu estava de um azul muito escuro" e há alguém que me diz: "Concordo inteiramente consigo, a natureza humana não é de fiar" eu fico instantâneamente com olhos de carneiro mal-morto.

Outras vezes estou mesmo zangada e afirmo categóricamente ao energúmeno: "Essa acção não se faz!". E o tipo responde: "Pois eu cá acho que Fulano usa capachinho e ficava bem melhor sem ele". E eu fico automáticamente off. Hipnotizada. A pesquisar nos escaninhos da minha fraca memória quem é Fulano, se de facto será careca, e que raio tem isso a ver com o que eu disse (suponho que devo também ficar com uma expressão estranha, a julgar pelos olhares curiosos que obtenho nessas alturas).

Depois, no sossego da toca segura e na paz da escrita, tento perceber onde foi a bifurcação entre o que eu queria dizer e o que disse. E nem sempre consigo, raios partam esta dupla incapacidade.

Hélás!

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Livre arbítrio

Provavelmente, este mundo seria mais atractivo para um grande número de pessoas se pudéssemos abdicar da liberdade e do livre arbítrio a favor de alguém paternal e benévolo. Para outros seria um inferno, claro.

E para mim, é este o cerne da questão: liberdade - com toda a infelicidade que acarreta mais todas as oportunidades possíveis - ou servidão - com toda a felicidade que traz mais as limitações intransponíveis?

Às vezes, acho que nos foi dada uma coisa que não só não merecemos como não somos capazes de aproveitar. E claro! muito humanamente, em geral culpamos o Dador pela dádiva. Nós somos uns pobres coitados, mas Ele, ah! Devia saber melhor... E ficamos todos contentes, afinal a culpa não é nossa.

Como acredito no equilíbrio, acredito que haverá alguém, algures, que nesta precisa altura enterra o desgosto, bate no peito, chama-me nomes e parte para outra. Abençoado, com ele parte a minha esperança na raça humana.

Hélas!

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Nietzsche

Andei a olhar por aqui e ali, neste mesmo blog.

Meio desinteressada, só para relembrar o que já disse no passado para não me repetir demasiado - não há coisa mais aborrecida que quem vira o disco e toca o mesmo.

Às tantas, comecei a ficar interessada. Sobre o que disse, mais o que li e respondi a esse respeito, mais as perguntas que fiz sem resposta nenhuma ou com alguma, geralmente ao lado, fraca redacção a do perguntador. Sobre os assuntos tanto como sobre as tomadas de posição.

Chegei ao fim e pensei: "- Bolas, mac, tu não tens mesmo jeito nenhum para a coisa. Tivesses tu junto isto tudo num único volume semi-coerente, colavas os artigos com fita-cola e cuspo, e voilá!: tinhas nas mãos um livro de Filosofia que podias apregoar ser digno do Nietzsche. Seria chato e tolo, ninguém teria grande pachorra para o ler mas isso não fazia mal, também ninguém tem grande pachorra para ler esse gajo - ficavas em igualdade de circunstâncias para a maioria das pessoas, o que de facto seria um grande salto de status."

Safa! O que vale é que é em comprimidos pequenininhos, senão a seca já tinha morto a Couve. Se calhar até já matou e ela é que ainda nem se apercebeu, coitada, julga que ainda está em condições de ir para a panela... Acontece, e vergonha é roubar (sim, não é ser apanhado, que isso são boatos da reacção).

Hélas!

terça-feira, 27 de maio de 2008

Morte

Será a morte um ponto final? Ou um ponto parágrafo, que inicia uma nova idéia, uma nova vida?

A morte priva-nos de alguém ou de alguma coisa, sem dúvida. É uma perda.

Ao mesmo tempo liberta-nos da existência desse alguém ou dessa coisa que, se de facto era importante para nós, impunha fronteiras e limitava a nossa liberdade. É um ganho.

Sem as grilhetas e sem os limites, irá a raça humana a algum lado digno de nota? Ou simplesmente agora já pode dirigir-se a lado nenhum e mergulhar no doce abismo?

Caramba! Acho que está na hora do Xanax.

Hélas!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Razão

O Homem é um animal racional.

Isto quer dizer que tem a necessidade de compreender (mesmo inconscientemente, talvez sobretudo inconscientemente...) tudo mais o par de botas.

Quando a coisa nem sequer é razoável ou crível, ele inventa. Mas racionaliza tudo, torna as coisas lógicas, explica o inexplicável, sempre. Tem de ser, é a sua natureza.

Por isso é que a astrologia se intitula ciência, fundamentando o seu edifício na astronomia; por isso a superstição vai buscar "factos" que "provam" as suas teses.
Por isso é que ouvimos defender racionalmente os vícios (uma pessoa sem vícios não pode ser bom, há algo de errado com ela, é melhor ter os meus vícios).
Por isso é se acha mentalmente doente a pessoa genuinamente altruísta, que põe de facto um desconhecido qualquer, sem traços relevantes, à sua frente.
Por isso é que face a um qualquer facto do qual desconhecemos a razão, assumimos automaticamente a pior - egoísmo, aproveitamento, etc. - porque é a razão mais comum e portanto a mais lógica.

Nesse aspecto, aprovo completamente o catolicismo, que inicia o seu discurso com "Isto é assim, assim e assim. Não vale a pena tentares perceber ou discutir a questão - ou acreditas (acreditar é o contrário de compreender) - ou vai plantar batatas". Quem fala assim não é gago. Mesmo que depois comece a ga-ga-ga-guejar, quando explica o edifício construído em cima desse pilar.

Talvez outras religiões sejam assim tão frontais - não sei, a minha ignorância desse assunto é abismal - mas sei de outras que tentam explicar o inexplicável - e contra essas o meu ser e a minha razão revoltam-se.

A verdade é que actualmente há poucas coisas que sejam capazes de arrancar de mim uma reacção mesmo forte; tentarem fazer de mim estúpida é uma delas.

Aceito erros, mau julgamento, enganos. Aceito pacífica e invejosamente uma profissão de fé. Não consigo aceitar um logro sem me revoltar instintivamente.

Hélas!

domingo, 25 de maio de 2008

Equilibrio

Sempre pensei que a natureza - as gentes incluídas - tende para o equilibrio.

Eu explico: se há tipos de maldade fora do normal, que esquartejam criancinhas e riem com o seu choro, também há tipos de bondade fora do normal, que dão a camisa a desconhecidos com frio e ficam sozinhos a tiritar.

Toda a gente sabe que há malta intrínsecamente má: torturam seres vivos e retiram do seu sofrimento um gozo real. Nem toda a gente sabe mas é verdade que também há malta intrínsecamente boa: põem o bem estar dos outros à frente das suas necessidades básicas. É uma espécie de empate. É o equilíbrio a funcionar.

Mas não há equilíbrio individual. É como as estatísticas: o que é verdade para todos em geral não é necessariamente verdade para alguém em particular.

Lamento. Lamento profundamente.

Só nos resta suportar o mal que nos acontece com a consciência que algures estará a acontecer bem a outro. Fraca consolação, dirão vocês. É melhor que nenhuma, digo eu.

Hélas!

sábado, 24 de maio de 2008

Almoços e Futebol

Quem me conhece sabe a minha opinião. Não é contra o futebol em si - um desporto como qualquer outro, não jogo mas também não lhe tenho rancor, tal como o ténis ou o golfe... Não, o que tenho é contra o que tantas vezes acompanha o futebol - o clubismo, o sectarismo, o amor e o sofrer que deviamos guardar preciosos para quem nos é importante e que se dá sem olhar para trás a uns quantos marmanjos em calções que correm num relvado, a quem não se conhece mas por quem se tem sentimentos (como diabo se tem sentimentos por quem nem se conhece?!? Mas existem, ah! Existem mesmo e são fortes.)

Sim, não gosto do que o futebol tantas vezes representa. Um sentimento de pertença a quem nem sabe quem somos mas que joga com a nossa existência (os números são uma coisa poderosa). Um amor sem amado. Uma lealdade a uma tribo arbitrária (sim, eu não gosto de tribos, nem clubes, nem bairrismos, nem academias. Mesmo quando não são arbitrárias).

Mas tenho de lhe reconhecer uma coisa, tenho mesmo, a bem da minha integridade mental: preenche muito bem os silêncios difíceis.

Fui a um almoço importante. Queríamos, de forma simbólica, agradecer a alguém o nosso próprio sucesso. Queríamos que esse alguém soubesse que, mesmo que mais ninguém o fizesse, nós tinhamos consciência de que o seu trabalho tinha sido uma parte relevante do que nós tínhamos conseguido. O almoço era uma forma simples e despretenciosa de agradecer esse contributo.

A conversa do almoço foi futebol. Interessante para (quase) toda a gente, inócuo para a questão em palco, eficaz não-vazio no expressar de sentimentos importantes. Eu alinhei, claro - não tenho jeito para dizer a alguém que é, realmente e de facto, importante. Que as coisas não seriam tão boas para nós sem a sua maneira de ser, de estar, de trabalhar.

Já disse aqui? Eu não tenho jeito absolutamente nenhum para dizer "obrigada", quando de facto me sinto obrigada (totalmente diferente do "obrigada" social a quem nos serve uma bica que nós pagamos). Quanto mais real o sentimento, mais pareço uma mentecapta atrasada mental. Além de estranho e contrastante, é mais ou menos tão desconfortável como me sinto quando o digo a alguém (não quando o sinto).

Justiça me seja feita: durante o brinde, consegui sintonizar toda a gente, eu incluída: toda a malta queria fugir dali a 7 pés, desaparecer, sair daquela situação tão incómoda de tão desastradamente referida, meter-se num miraculoso buraco debaixo da mesa, tudo menos estar ali a assistir a tão desajeitado e constrangedor balbuciar... Para o resto do almoço, valeu o futebol, abençoado seja, nunca mais digo nada contra tão nobre desporto.

Mas é arte, este sintonizar de sentimentos entre gente tão diferente, não acham? Não é para todos, decididamente, colocar 5 ou 6 caramelos a sentir exactamente o mesmo que eu, em determinado instante. Olhem, sem falsas modéstias, sou uma artista de muito talento, neste domínio - não é menos verdade lá por ser só fugir desalmadamente o sentimento de que sou capaz de provocar. E mai' nada.

Hélas!

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Prole

Quem tem filhos tem cadilhos, diz a sabedoria popular (na verdade, só não me estou a borrifar para a sabedoria popular quando ela me dá razão - nessa altura passa de um chorrilho de disparates ignorantes para uma sabedoria antiga e venerável. Pois desta feita ouçam a sabedoria antiga e venerável!).

Os filhos são uma coisa tramada. Em novos tentamos orientar o seu desenvolvimento, fazer com que crescem orientados para Norte, por exemplo, enquanto eles parecem muito mais interessados no facto de haver 4 pontos cardeais... Depois de crescidos, pessoas responsáveis, a coisa é ainda mais difícil e insidiosa.

Porque devemos respeitar a sua individualidade - mas também devemos mostrar-lhes que estão a ser completamente mentecaptos por não seguirem o caminho que nós achamos melhor.

Devemos respeitar as suas escolhas - mas ao mesmo tempo temos a obrigação de informar aquelas tontas crianças prematuramente autónomas que nós sabemos muito melhor o que é bom para elas.

Devemos à prole o respeito natural que se tem por um adulto racional, inteligente, saudável e bem formado; mas também lhes devemos a demonstração de que não passam de fedelhos irresponsáveis a deitar fora a nossa sabedoria que é muito maior que a deles e foi tão duramente conquistada (espero bem que a minha mãe nunca leia nada disto, para não começar logo com o "Ah! Agora já percebeste?!?")...

A prole é a causa involuntária de insónias preocupadas e de escolhas condicionadas - que altruísta, não? Claro e a seguir a gente informa-os desses créditos que julgamos que temos mas que eles não pediram embora utilizem, já que a gente os colocou na mesa de jantar sem qualquer referência nem pedido de opinião, juntamente com as couves e o arroz que lá colocamos desde que a prole nasceu. Um fait acomplis...

Ora batatas! Viva a prole. Viva a afectuosa troça que fazem de nós e o salutar desrespeito pela nossa sabedoria.

Hélas!

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Felicidade

Porque é que as pessoas não são felizes?

Andei a matutar no assunto e cheguei a uma conclusão: porque em geral, as pessoas (eu sou uma pessoa também...) querem o ovo inteiro (belo na sua casca intocada), as claras batidas em castelo (uma obra-prima do engenho humano), a gema batida com açucar (uma delícia muito nutritiva), a massa para o bolo (as crianças adoram) e o bolo em si (ideal para tantas situações). E só têm um ovo, tem de ser tudo com o mesmo ovo.

Claro que sabem que é impossível. Mas mesmo assim, lá atrás do cerebelo, num sítio muito, muito escuro, há uma voz que murmura: - Será que é desta que vou conseguir?

E como não é, a voz chora e as pessoas ficam infelizes. Independentemente do estado do ovo.

Hélas!

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Palavrões

Não gosto. Conheço muitos, que a idade não perdoa, até uso alguns, de vez em quando, se a paciência anda envergonhada e o mau génio faz das suas... Mas não gosto, que querem? Não gosto mesmo.

Andamos nós a inventar palavras, gramáticas e dicionários há tantos anos, escrevemos tratados de filosofia, contos infantis e contratos internacionais, obrigamos os putos a ir à escola cada vez mais anos e depois deita-se toda essa arte fora?!?

Não - tudo se pode dizer, a toda a gente, com elegância e galhardia. Pode-se mandar à #%&$#! o Senhor Embaixador com suavidade e graça. Pode-se explicar ao CEO, como ao vizinho, e de forma a que ambos percebam bem o que dizemos, que não passam de umas *&%#$ quadradas, sem que nem eles nem as mulheres se sintam ofendidos com a linguagem. Talvez com os insultos, mas não com a linguagem.

É preciso conhecimento da língua, claro. E sangue frio, e arte. Mas deixem que vos diga, é outro nível, muito superior. E está ao alcance de quem quiser, ou melhor, de quem quiser e puder ler uma enciclopédia, o que até nem é difícil hoje em dia.

Hélas!

terça-feira, 20 de maio de 2008

Fundações

Que fazer, quando não aguentam? Quando construímos, pecinha a pecinha, um edificio (ou casita, ou casebre, para o caso tanto faz) cujas fundações são afinal fracas mas que aparenta continuar em pé, aparte uma racha ou outra (provavelmente no início até seriam fortes e sólidas mas depois foram-se degradando com o tempo e a vida...)?

Esperamos que mais ninguém note e perpetuamos o equívoco? Voltamos as costas e partimos para outra, com mágoa ou sem ela mas sem enganos? Ou destruímos conscientemente o antigo edifício e construímos um novo mais adaptado à realidade das fundações?

Eu (até!) sei que cada caso é um caso e que muitas vezes até são as excepções que fazem a regra, Mas o que é que é melhor ter como princípio, dado que o tempo e os materiais são, como toda a gente sabe, bens escassos?

E teremos nós a capacidade, a resistência, a força, de seguir aquilo que de facto achamos melhor?!?

Hélas!

segunda-feira, 19 de maio de 2008

O espaço não é elástico. Nem nós.

Alguém se afasta devagar, devagarinho, nem damos por nada... Ou quiçá somos nós que nos afastamos devagar, devagarinho, sem darmos por nada. Ou ambos, sabe-se lá quem se afasta devagar, de mansinho, neste mundo relativo...

Mas a distância cresce, alarga-se.

Cria espaço para outras coisas, outros alguéns, outros interesses, cuja existência só por si ajuda a alargar ainda mais a distância.

Isto não é forçosamente mau. Nem bom. Só que eu não gosto de coisas que crescem sub-repticiamente, incomoda-me a inconsciência da realidade que nos envolve, mesmo quando não podemos fazer nada - ou se calhar porque acho que podemos sempre fazer qualquer coisa, ainda que esta não seja decisiva e a batalha até nos corra mal...

Até é estúpido, este desgostar tão imparcial; porque diabo me preocupo eu com o curso da vida, porque diabo me preocupo com os espaços crescentes de quem não gosta de nadar contra a corrente, porque diabo me sinto no dever de os informar que correntes há muitas, hoje contra, amanhã a favor, porque diabo considero um dever mostrar mapas que nos indicam a deriva, quantificam a distância e medem a variação?... Se nem é nada comigo e nem ninguém me pediu opinião?...

Arre! Que mania!

Hélas!

domingo, 18 de maio de 2008

Amor

O Amor é cego, dizem.

Dizem que quem ama não vê as imperfeições, não nota os defeitos e não percebe as fraquezas.

Estão enganados, digo eu. Isso que retratam não é Amor: é cegueira e egoísmo. É tão fácil gostar da perfeição, não é? É fácil, é barato, dá milhões em créditos de contentamento. É bestial, satisfaz, não chateia e é muito conveniente e prático. É muito estimulante e muito agradável, pelo menos durante algum tempo (depois paga-se o preço, há sempre um preço a pagar). Mas não é Amor, é outra coisa.

Amor é quase o contrário. É ver as imperfeições. É saber dos defeitos e conhecer as fraquezas. É ignorar as primeiras, rir dos segundos e proteger as terceiras a todo o custo, o que só se consegue quando os vemos e conhecemos muito bem.

Amor não é colocar o outro em primeiro lugar; é não haver lugar. Alguém pensa primeiro no pulmão direito e depois no esquerdo ou vice-versa? Não, pensa-se nos pulmões - é uma unidade, embora feita de dois.

Amor é uma viagem, não um destino. Não se tem Amor; constrói-se no dia a dia e é uma obra de Santa Ingrácia, eternamente inacabada. Quando a obra acabar, morreu o Amor, passou a lugar.

Como todas as obras, é chata de vez em quando: há umas pedras que caiem, umas janelas que deixam de fechar e é preciso voltar a por tudo a funcionar outra vez. O resultado por vezes não é muito bonito - pregos à vista, cicatrizes na madeira, mas normalmente até fica mais sólido que era originalmente - e agora é tempo de deitar mãos à obra na nova sala.

Uma canseira, quando diabo é que se vai de férias?!? Lamento, não há férias. Consta do job description, algumas pessoas não reparam. E é divertido, algumas pessoas também não reparam nisso.

E acho que isto é verdade para todos os Amores. O Amor entre um casal. O Amor entre Pais e Filhos. O Amor entre irmãos, primos, amigos. O Amor tem muitas facetas e muitos interlocutores, mas se for Amor, é sempre isto.

Hélas!

sábado, 17 de maio de 2008

Caminhos, Descaminhos e Destinos

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.
[Cântico Negro, José Régio]

O Zé que me desculpe, mas embora concorde com ele (é muito bom saber por onde não vou!), o que eu queria mesmo era saber por onde vou e para onde vou.

Hélas!

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Cansaço

Ai, não sei que vos diga... É uma canseira, uma preguiça, uma falta de entusiasmo...

Depois penso: "Ó rapariga, isso não é vida! Anima-te de vez e vai à luta ou desanima-te de vez e faz-te à estrada!..."

Mas é grande o cansaço, o desencanto. E quando penso que nem nunca a energia nem o encanto foram assim grandes, grandes, dá-me uma alentejanice...

Ora batatas. "Ó rapariga!..."

Olha, está a dar o Homer Simpson. 'Bora lá, ver o meu retrato na TV.

Hélas!

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Comadres

"Zangam-se as comadres, sabem-se as verdades".

Vocês não acham verdadeiro, horrívelmente verdadeiro, este retrato? Esta raça é um susto e ainda por cima nem dá por isso, julga-se a maior da Cantareira...

E até é. Porque não há mais ninguém por lá. Bolas, temos que povoar a Cantareira, pode ser que assim as coisas mudem para melhor!


Hélas!

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Filósofa nazi

Alguém me disse uma vez que eu era demasiado apaixonada.

Disse-me que eu defendia os meus pontos de vista com um entusiasmo que amedrontava quem me ouvia, que afastava deste mar alto quem podia ter algo muito interessante a dizer (o que vem ao encontro de outrém, há muitos, muitos anos, que me disse que eu era uma nazi sem dar por isso - o pior juízo que alguém algum dia pode fazer de mim).

Ficaram-me na memória estes reparos porque sempre me considerei àzima, uma pessoa que, dadas as suas constantes dúvidas nos ques, ses e porques, não passava de uma permanente indecisa que nunca na vida poderia assustar quem quer que fosse com as suas opiniões... Veementes mas de natureza reconhecida e permanentemente temporária.

Sempre me considerei morna, sem fogo, uma duvidosa permanente que, apesar ter valores basilares algo rígidos, está sempre a questionar as suas aplicações, o momento de os aplicar e a percepção individual disto tudo - o cerne da questão, certo?

Parece que não, afinal. E não consigo deixar o vício de defender apaixonadamente as minhas opiniões, mantendo em simultâneo um pé atrás de mim própria e das minhas convicções actuais.

Assim não dá, repito a mim própria: - Se vais ser nazi sê nazi de uma vez, se preferes ser filósofa abandona essas certezas todas de uma vez. Mas não sejas uma nazi filósofa, que isso não augura nada de bom, é caminho certo para Rilhafoles. Além de, ainda por cima, assustar as gentes e afugentar os possíveis amigos...

Mas o meu inquilino do primeiro andar, além de nazi e filósofo, aparentemente é também surdo - ando nesta guerra pessoal há anos e nada. Nenhum dos seus hemisférios me liga nenhuma.

Hélas!

terça-feira, 13 de maio de 2008

Amigos

Que devemos aos nossos amigos?

Devemos chamar a atenção para uma asneira que estão a fazer ou aceitar as suas acções sem julgamento?

Devemos alertar para um perigo que não vêem e contra o qual pouco podem fazer, deixando-os ansiosos e preocupados mas conscientes, ou devemos preservar o seu contentamento inconsciente, já que podem fazer pouco?

Devemos respeitar o seu desejo de solidão quando estão infelizes ou devemos forçar a proximidade que nos permite ajudar?

Devemos questionar quando não percebemos esta ou aquela acção ou devemos proceder como se a acção - ou a dúvida que suscita - não existisse?

Devemos defendê-los quando justamente acusados ou assumir a sua culpa juntamente com a nossa amizade?

Devemos insistir numa opinião que não deram livremente?

Devemos-lhes a verdade ou aquilo que os faz felizes?

Ora batatas - só coisas que me ralam.

Hélas!

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Discussão

Como decerto já deram por isso, além de gostar de conversar, eu gosto de discutir (uummmhhhh... Conversar e discutir têm uma série de diferenças interessantes, tenho de analisar isto um dia destes...).

Por uma série de razões que não têm importância para o caso, raramente consigo discutir. Argumentar. Apresentar aos meus pares os argumentos que me levam a escolher "isto" em vez de "aquilo" e ouvir deles uma avaliação destes argumentos, das conclusões a que levaram e do próprio processo de inferência, que pode não ser válido - já me aconteceu. Também é muito estimulante ouvir, analisar e avaliar os argumentos que me apresentam e que poderiam levar a uma escolha completamente diferente.

Se é por esta dificuldade em ter discutidores, não sei - mas o facto é que discuto muita vezes comigo própria. Começo por passar ao papel as idéias e explicar - o processo tem grandes virtudes organizativas, como já disse aqui. Depois imagino-me no "outro lado", a rebater quer a escolha das palavras e o sentido que dão, quer os argumentos, métodos de análise e inferências. Imaginemos por um momento que as "minhas" idéias são diferentes das minhas idéias: que argumentaria eu com a rapariga do lado de lá?...

Mas tenho de me deixar disto, é pesado e algo perigoso. Já não tenho idade para estes desportos radicais, qualquer dia dou em esquizofrénica. Uummmhhhh... Será que já sou e não me apercebi? E se fosse, as diferenças seriam perceptiveis?... Aliás...

Bolas, lá voltei eu ao mesmo. Isto é tramado, mesmo tramado.

Hélas!

domingo, 11 de maio de 2008

Sim, eu sei

Sim, sei que te dói a alma,
Sei que o céu te é escuro,
Sei que é falsa essa calma
E sei que temes o Muro.

Sei que o teu caminho
De mansinho se encurvou;
Sei que voltaste ao ninho,
E que o círculo se fechou.

Sei que não vês amanhã.
Sei que o ontem já passou.
Sei que a Vida não te é sã
E sei que o teu sonho voou.

Mas, sorri, faz de conta,
Avança pela avenida.
Não é coisa de monta,
Entre tantas, uma vida.

E sabe que eu sei de ti.
Sabe que sou impotente.
Sabe, e sofre, e sorri.
Olha nos olhos e mente.

Não há nada a fazer.
Sofre, sorri e avança.
Amordaça esse teu ser:
A morte nunca se cansa.

Hélas!

sábado, 10 de maio de 2008

Justiça e bondade

Prezam a justiça? Pois então não sejam bondosos. E vice-versa. Certo, certo, é que parecem mutuamente exclusivas...

A bondade parece lesiva de todos aqueles que pensaram, lutaram, labutaram e se sacrificaram para obter o mesmo resultado que o tipo do lado, que não fez nada disso nem despendeu um segundo com esse propósito; é dar a mesma gorgeta ao empregado que nos serviu impecavelmente e ao que não nos ligou nenhuma mas que tem olhos tristes e uma família numerosa; é ajudar com o mesmo empenho o vizinho que é uma pessoa fantástica e sempre disponível e a vizinha que é uma parvalhona egoísta mas que sabemos que tem muitas dificuldades. É injusta.

Por outro lado, a bondade leva-nos a um esforço extra sem qualquer justificação, pode salvar a alma a quem está desesperado, é uma dádiva sem contrapartida nem interesse, é aquilo que pode de facto acordar um desconhecido dormente. É um presente, é aquilo que não é devido, é um testemunho de esperança e fé no futuro. Olhada por este lado, se é injusta é porque se está a aplicar uma unidade de medida inapropriada, como medir um gás com um metro.

Que querem? Ora batatas, a vida é complicada. Eu cá resolvi o problema assumindo que a partir de um determinado grau de complexidade já não consigo ir lá de forma racional; pode-se ir, deve-se ir - mas não eu, que já não tenho capacidade para essas cavalarias tão altas.

É bestial, só vos digo: podemos ser alegremente injustos e mesmo assim dormir descansados... Claro que me podem chamar outros nomes: calaceira, comodista, egoísta, narrow minded... Não deixo de lhes dar razão mas estes insultos, ao contrário de outras coisas, não me tiram o sono. Pensarei nisso amanhã.

Hélas!

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Simbiotas

Aqui há uns anos, quando eu era uma jove inconciente perorava do alto do meu caixote da altura que homens e mulheres eram iguais. Afirmava convicta - convicção nunca me faltou, graças a S. Teotónio - e irredutível - casmurrice também nunca me faltou, graças ao mesmo santo - que as diferenças eram sociais, que as pessoas eram formatadas à nascença pelas roupas azuis para os meninos, rosa para as meninas e amarelas ou brancas para os de sexo desconhecido. Que os seus papéis e potenciais cresciam com as barbies e com os tanques de combate e que eram consolidadas com as histórias da Maria fraca, chorosa e inocente e do Manel forte, calado e calculista.

Acreditava nisso na altura, que querem? E sempre foi do meu feitio lutar aberta e apaixonadamente por aquilo em que acredito (fui educada assim, a culpa deste feitio impossível é dos meus pais, coitadinha de mim que nem tenho culpa nenhuma nem nada...).

Hoje não acredito nisso ou pelo menos não desta maneira. Continuo a pensar que muitas das nossas idiossincrasias sexuais provêm da educação que os pais - ou progenitores, ou educadores, ou sociedade ou o que quiserem: a malta que nos educa no dia-a-dia - nos imprimem; mas há outros factores, genéticos e mais determinantes.

A verdade, nua e crua, é que homens e mulheres são simbiotas. Aparentam ser da mesma raça - 2 braços, 2 pernas, 2 olhos, 1 nariz, 1 boca (na maioria dos casos) - mas isso é só para enganar os predadores à espreita; na realidade são duas raças completamente distintas e que necessitam uma da outra para viver.

De vez, em quando, graças à Sta. Probabilidade desta vez, há umas simbioses perfeitas, casamentos feitos no céu; mas são sempre simbioses, um ajuntamento de raças diferentes que beneficia os indivíduos em particular e as respectivas raças em geral de uma forma altamente recompensadora para as 4 entidades em causa; mas são sempre simbioses, nunca acasalamentos.

Hélas!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Cemitério

Não sei porquê eu pensava que, dada a conhecida sobrelotação dos cemitérios, se a parentela não reclamasse a posse do corpo do finado este era exumado e os seus restos mortais eram metidos numa vala comum. Não me perguntem como ou porquê eu pensava isto, mas de facto era essa a minha idéia.

Há pouco tempo, alguém que sabia informou-me melhor: se o corpo não for reclamado ao fim de n anos (não sei quantos mas são bastantes), tornam a abrir a campa e põem-lhe o próximo defunto por cima.

Ora vejam bem: o morto passa de inquilino a proprietário, embora de uma campa, em propriedade vertical e sem se importar grande coisa com o assunto.

Hélas!

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Madre Teresa e o nosso lado escuro

Uma pessoa que muito prezo disse-me um dia, a respeito de uma coisa que agora não interessa nada:

"- Se afastarmos o nosso lado Madre Teresa (que existe ou queremos que exista, não sei bem), temos de reconhecer (nem que seja lá bem escondidinho num cantinho mais escuro de nós) que..." (sic)

Lembro-me que sorri para mim própria; há expressões felizes, não é?

Numa frase simples, a talhe de foice e a propósito de outra coisa qualquer, ficam explicitas idéias, pensamentos, filosofias; são confessadas dúvidas, análises, raciocínios, avaliações e mais um sem número de coisas que levam tempo, consomem disponibilidade e confessam uma busca de verdade; ficam visíveis contradições, questões fundamentais e aspectos privados do ser.

De vez em quando, isto acontece. Uma pérola sorri para mim, no meio de um caminho que nada tem a ver com ostras.

Hélas!

terça-feira, 6 de maio de 2008

O porteiro

É muito mais fácil fechar a porta que filtrar conscientemente as entradas (ou saídas).

Eu não concordo com esta opção; não concordo em retirar a Internet a todos porque é difícil controlar aqueles que passam a brincar com o PC, em vez de trabalhar - aliás, de modo geral, não concordo com proibições e acho que era muito melhor só proibir a quem infringe depois de permitido, mas sei que isso dá cá uma trabalheira... De qualquer maneira, não acho que uma coisa má se torna boa porque o que de facto é bom dá demasiado trabalho (mmmhhh... Demasiado? É um juízo de valor, ah! Pois é...).

Mas concedo que é difícil, isso concedo. A gente entreabre o portão e aparecem-nos manadas furiosas, alcateias ansiosas, bandos impacientes. Querem entrar ou sair; é muito difícil pedir a essa malta toda o BI, uma declaração de intenções e depois, ainda por cima, ter de verificar se as acções estão conforme... Se aparece um elemento racional e preparado, temos tendência a abrir a garrafa de champagne. E depois fugimos para debaixo do abrigo, porque atrás dele está um conjunto ululante de entidades que grita: "Eu também, eu também!" e irrompe sem cerimónia pelo portão que entreabrimos ao racional.

Pois, percebo lindamente quem, em vez de abrir o portão, põe lá mais uma tranca.

Não concordo com isso, não gosto, tento não o fazer. Mas lá que os percebo, ah! Percebo lindamente.

Hélas!

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Imaginação

Imaginem um mundo onde as pessoas pensam todas da mesma maneira e é tudo malta decente (ou seja, com os mesmos valores que nós). Sem qualquer pressão ou recompensa nisso, de facto elas pensariam simples e sinceramente, todas da mesma maneira.

Têm a mesma opinião sobre tudo, partilham exactamente os mesmos valores, não há qualquer discordância sobre o melhor rumo a tomar.

Já pensaram? Não era precisa polícia ou vigilância, não existiriam políticos, generais ou guerras. Não haveria motins ou fome, nem associações beneméritas nem Madres Teresas; não seriam necessárias. Haveria velhice, doença e morte, claro - são fenómenos naturais tão fora do nosso controlo como o dia e a noite - mas a reacção dessa sociedade a essas questões seria total e completamente sensata e solidária.

E eu não queria viver lá. Morreria prematuramente, de tédio. Raios partam a natureza humana.

Hélas!

Humanidade I

Esta é uma história humana, que mais bicho nenhum tem esta capacidade para o mal. Sim, estas linhas retorcidas e mal definidas só estão ao alcance da raça superior, aqueles que detêm o poder da escolha.

Há um homem - se calhar há mais, mas só deste é que se sabe actualmente - que resolveu fechar a filha na cave, para se servir dela quando estivesse para aí virado.

Diz quem o conhece que é inteligente e não há dúvida nenhuma que sabe ler - parece que até tem um curso superior - pelo que deve saber da existência da pílula e de preservativos; teve 7 filhos da filha.

O homem é casado e não consta que a mulher seja atrasada mental - a mulher diz que a filha foi-se simplesmente embora e ela não deu por nada e nunca nada de estranho lhe passou pela cabeça, nestes vinte e tal anos (sim, não se está a falar de 6 meses).

Recorrendo a umas garatujas num papel, eles adoptaram legalmente 3 dos filhos da filha - e essas crianças também nunca desconfiaram de nada, nem as suas normais curiosidades e brincadeiras de crianças e depois adolescentes as levaram a questionar a cave ou a reparar nas saídas do homem.

Teve inquilinos, pelo menos um deles com cão - que ouve e tem melhor olfacto que nós e (muito importante!) não concebe considerações como "não se meter na vida dos outros" e mesmo assim, os pequenos ruídos e cheiros da cave não tiveram consequências.

Tinha vizinhos, que viviam na mesma rua, partilhavam os espaços, as vistas e os recursos públicos. Fazia compras e levava as ditas para a cave porque tinha de alimentar a filha e os miudos, né? Mas nunca ninguém deu por nada.

Havia 1 adulta e 3 putos lá dentro, certo? Haveria roupa, mesmo pouca, que deixaria de servir aos putos em crescimento e seria necessário substituir. Papel higiénico, pelo menos depois de alguns anos. Pensos higiénicos? Se calhar, mas todos os meses. Sabonete, talvez shampoo. Sabão. Sapatos provavelmente não - para quê? - mas cuecas e t-shirts se calhar sim. Comida, de certeza - viveram vinte e tal anos assim. E tudo vem em embalagens que se deitam fora, haveria lixo de mais 4 pessoas para colocar no caixote.

Mas nem a mulher, nem os filhos de cá de fora, nem os inquilinos, nem os vizinhos, nunca ninguém reparou em nada.

Sou só eu ou também vocês acham que há algo de muito errado connosco?

Hélas!

domingo, 4 de maio de 2008

Uma barata no elevador

Há muitos anos atrás, entrei pela primeira vez - e única, que me lembre, e última, espero bem - em completo pânico, sem qualquer noção de sensatez; fui prontamente chamada à razão por quem me acompanha pacientemente nas minhas andanças mas deu para perceber que o controlo se pode perder instantaneamente e sem nos dar tempo de o agarrar. E dependi de outro para o reaver - se ele não estivesse lá?!?

Fiquei muito abalada pela experiência. Não foi o facto de ter tentado desaparecer atrás do homem; foi o facto de o ter feito sem ter qualquer noção do que fazia, mais o facto dessa noção me ter sido devolvida por outrém, em vez de prontamente reconquistada pela minha razão.

Entretanto o elevador parou e eu pude sair. Vá lá: quem sabe o que aconteceria à minha trémula razão, se a situação se prolongasse? Se calhar, ficava a conhecer-me a mim própria muito melhor, saberia melhor para onde virar as minhas baterias de auto-educação. Mas deve haver maneiras de o fazer menos dolorosas.

Hélas!

sábado, 3 de maio de 2008

Probabilidade e Estatística

Sabem, foi a cadeira mais difícil que fiz no Técnico: foi aquela em que mais vezes fui a exame e reprovei. Quando vi 10 (dez) na pauta, dancei agarrada a uma colega que se ria comigo, feliz pela minha felicidade.

Ao contrário de outras cadeiras da área, não havia 5001 fórmulas para decorar (o meu pavor, que a minha memória é igual à das galinhas estúpidas). O meu problema não são nem as fórmulas nem o raciocínio. Quanto às fórmulas (terror desde a primária, a minha memória é curta e teimosamente selectiva) há sempre maneira de dar a volta à coisa: decora-se 3 e deduz-se as 97 restantes, etc., e o raciocínio, valha-me S. Teotónio, ainda não me faltou. Não, o problema era (e continua a ser) a interpretação das perguntas.

Ainda me lembro de uma revisão de provas em que o prof, depois de eu me explicar, ficou a olhar para mim com uma cara mistificada:

- Pois, não há dúvida que pode ser visto dessa maneira... Mas olhe que esta até é uma pergunta antiga e não sei de ninguém que a tenha interpretado assim... Eu agora percebo a sua resposta e até está correcta desse ponto de vista, mas honestamente acho que não posso rever a qualificação - é que toda a gente percebe a pergunta normalmente, é considerada uma das fáceis!

E eu vim embora de cara baixa e sobrancelha franzida.

Mas sabem o mais giro? Gosto de estatísticas. Tendo SEMPRE em mente que nunca se aplica a indivíduos e sim a massas, permite analisar tendências e dá um retrato fiável da realidade.

Estes números são em geral muito, muito interessantes. Um dos interesses (menor, mas que também existe!) é a verificação de quais os artigos mais comentados (cómicos, sérios ou assim assim, que deixam antever opções de vida, que colocam questões chatas ou que são apenas historietas destinadas a arrancar o esboço de um sorriso). Ora reparem bem nos artigos mais comentados!

:)

Hélas!

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Lego

É mais fácil destruir que construir, certo? Pois.

Mais difícil que ambos e raramente referido (provavelmente é considerado implícito em construir, um erro que talvez aborde mais tarde, quando me der a pachorra, eheheh), é modificar - sem destruir nada, influenciar o que existe para se tornar em outra coisa, planeada e conscientemente.

E agora é que são elas: tudo se modifica a todos os momentos, quer a gente pense nisso ou não; influenciamos tudo e todos em todos os segundos, quer a gente se aperceba disso ou não; fazemos todas as árvores pender, mesmo sem nos apercebemos que estamos sempre a soprar; e (quiçá o pior de tudo!) nenhum destes efeitos é visível no imediato... Pessoal, não nos damos conta!!!

Como fazem as pessoas decentes para andar tão despreocupadas?!

Serão ceguinhas, inconscientes e só eu no mundo inteiro é que tem 2 dedos de testa? mmmmhhh... Ou sentem-se satisfeitas na sua consciência de que fizeram o que puderam pelo que acham bem (uma treta, nunca sabemos realmente do que somos capazes)? Mas não é suficiente, não vêem?

Que é que interessa fazer o que se pode, se o que se pode não chega? Além de que nunca fazemos o que podemos, longe disso. Fazemos o que queremos, há uma enoooorme diferença.

Hélas!