quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Desilusão


Uma amiga uma vez numa conversa disse uma coisa que nunca mais esqueci, apesar da minha memória de galinha: “se te desiludiram é porque estavas iludida”.

Hoje, triste que estou por uma desilusão inesperada, resolvi debruçar-me sobre este assunto  e não consigo chegar a uma conclusão: será a minha tristeza uma coisa absurda? Não deveria, antes pelo contrário, estar feliz por estar mais perto da realidade?

Olhando para isto de uma forma fria, objectiva e racional, deveria. Mas na realidade não estou, o que prova de forma provada a minha inaptidão para viver num estado mental realista, a despeito do orgulho que tenho pela minha racionalidade.

Ou então ficarei feliz mais tarde. Como nos escaldões: dói imenso mas uns dias depois gostamos do tom tostado da pele.

Silêncios

Já há algum tempo, tive uma muito conversa muito interessante sobre o valor do silêncio.

Eu dizia que o silêncio em convivência normalmente é mau, que quando não se diz nada se está a concordar (quem cala consente) mas até isso é feito de forma pífia e dissimulada.
Quem não diz, demite-se do seu dever de honestidade e esconde a sua real opinião.

É confortável mas é falso, projeta uma concordância inexistente.
Não há conflito na concordância, o que torna especialmente interessante o facto do silêncio  normalmente surgir na discordância.

Comecei a reparar e raras são as pessoas que se apercebem disto... Propositadamente e a bem da ciência (ahaha), forcei respostas e ainda fiquei mais interessada no fenómeno: forçadas, as pessoas antes silenciosas acabam por expressar - de má vontade - a sua discordância. Só em espécimes realmente inferiores a falsa concordância é verbalizada e em geral nota-se que é falsa, como um capachinho.

Não dizer nada pode nem passar de uma forma de indiferença confortável. É óptimo, dizia-lhe eu, ficar em silêncio relativamente ao que nos é dito; a pessoa que fala até fica sem jeito de nos questionar, pois que estamos a concordar com o que diz...
Mas a concordância que lhe oferecemos é falsa e de certa forma até é triste, alguém querer partilhar connosco uma coisa que nos é indiferente.

O meu interlocutor não concordou de todo.
Ele defende que apenas o silêncio não é um peso para os outros; todo e qualquer discurso é uma agressão ao outro, que não tem nada que suportar o peso das nossas opiniões.
É muito melhor estar calado, não ofende, não agride e não exige resposta ou esforço do interlocutor.
O silêncio, diz ele, promove a paz e a convivência pacífica. Não ficar em silêncio é ceder ao narcisismo e não traz bem real a ninguém.

Suponho que, como de costume, a virtude deve estar no meio - nem sempre calado nem sempre falador.

Sim, deve ser. Mas cá para mim, o silêncio só é isso porque a esmagadora maioria das pessoas não suporta críticas.

Todos estamos convencidos que somos Cristo à face da terra, raios nos partam

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Abandono

Há uns anos largos, passou-me esta fotografia pelos olhos e guardei-a. De vez em quando, quando há coisas que me aborrecem de forma intensa, volto a olhar para ela, para verificar se o que me aborreceu é de facto importante; raramente é.

O que me toca nesta imagem não é a morte, é o abandono do corpo. E quando o corpo é infantil, o seu abandono é igualmente o abandono da esperança.
 

Nem o carinho de embrulhar o seu corpo num jornal velho esta criança teve. Eu, que tenho tanto, poderei ao menos viver a vida com alegria. Também em sua honra.

sábado, 6 de outubro de 2012

Caixote

Este caixote anda pelas ruas da amargura... O danado do FB é mais prático, a malta amanda-lhe com duas tretas e prontes, está o dever cumprido e os amigos com a alma serenada.
 
Fica no fundo do cerebelo, bem escondida e tímida, a sensação de que estamos a fugir da realidade...
 
Feiras e artes à parte, a nossa realidade é aquilo que quisémos um dia fazer, uma coisa assim inteira e com sentido, cabeça, tronco e membros, todos em sintonia e a apontar para ali.
 
Pois.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Camões


A malta queixa-se:

- Dói-me a perna
- Torci um braço
- A minha sogra tem mau hálito
- Parti um dedo no futebol
- O raio da sandália partiu-se e só tem 4 dias

No café onde tomam todos os dias o pequeno-almoço, sumo de laranja natural (muito saudável!) e uma sandocha de fiambre, a malta queixa-se:

- Tive de tirar a miúda do ballet
- Dispensei a empregada em metade da semana
- Já não vou ao concerto da Madona
- A chefe anda com ar de má
- A vida está pela hora da morte

Olham, preocupados, uns para os outros:

- Não sei o que hei-de fazer
- A culpa é dos gajos que não fazem nada
- O jardim Zoológico está caríssimo, acho que dão bifes aos leões
- Tenho medo de ir aos saldos
- Se eu mandasse, outro galo cantaria

É a calma do reino de Camões. A malta queixa-se, é um desporto barato.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A adega é pública

Nós nunca termos visto não é exactamente o mesmo que ser uma coisa nunca vista. Pois, não há nada de novo à superfície da terra (já não me lembro de quem disse isto e obviamente que não me refiro ao filme).

Só que não é bem assim. Quem é que alguma vez viu, na História da Humanidade, toda (quase...) a sabedoria humana nas pontas dos dedos? 
Umas teclas e voilá - em segundos fiquei a conhecer o poema e o seu autor, mais umas notas biográficas que se consideraram relevantes para a completa compreensão do texto. De umas linhas adaptadas de acoli, fiquei a conhecer uma obra especial - em minutos. 

 Isto é tão completa e maravilhosamente tortuoso... 

Por um lado, a ignorância de hoje fica-se pela língua - quem não fala (mais propriamente, lê/escreve), fica de fora de uma parte do mundo (meu Deus e a China que é enoooooorme... Tenho de aprender mandarim). 

Por outro, a sabedoria está à disposição de todos mas é mais sabedoria do que aquela que o comum dos mortais consegue absorver e interiorizar. Não sei - duvido que alguém saiba - qual será o impacto desta adega à disposição de quem tiver sede. 

Eu sempre gostei de malta com bom vinho mas por outro lado não há pachorra para bêbedos.

Isto é só coisas que me ralam.

domingo, 3 de junho de 2012

A dança

Dançai, dançai
A dança da alegria
No parque sem crianças
Na terra vazia

Dançai, dançai
A dança da vitória
No chão sem pedras
Na morte sem história

Dançai, dançai
A dança dos vivos
Na fonte sem água
Na jaula dos cativos

Dançai, dançai
A dança dos clamores
No caminho sem lugar
No bosque sem flores

Dançai, dançai
Com energia
O futuro já não vem
Venha pois a magia

sábado, 26 de maio de 2012

Caca de cão

Sentada no banco do jardim, chorava.
As lágrimas caiam em fio sem soluços. Nada as impedia, as mãos enclavinhadas no colo na posição centenária de estoicismo.

A postura era rígida mas discreta: nenhum dos passantes lhe dirigiu um segundo olhar. 
A silhueta madura não atraía os jovens e o drama passava despercebido aos outros, aos solidários como aos abutres; talvez fosse essa a razão pela qual a postura se lhe tinha tornado familiar, uma defesa contra intromissões inconsequentes.

Os olhos abertos perscrutavam sem ver a linha do horizonte, uma coisa feia de prédios velhos e sujos. Não a via, os olhos só viam o que se tinha perdido, sem esperança e sem remédio. Sentia-se velha e trôpega, no dia do seu meio centenário
O seu tempo fora julgado sem préstimo, toda uma maneira de proceder, um conhecimento e uma experiência, toda uma maneira de estar, todas as escolhas da sua vida, tudo ajuizado sem utilidade. Como caca de cão.

Quando não há capacidade para todos no bote, lança-se ao mar os que pesam mais do que o que valem na travessia. Tinha sido lançada ao mar e a pena por si própria era maior do que alguma vez pensara possível.

O pombo aproximou-se, o olho vermelho a avaliar a possibilidade de haver pão naquela figura pesada. Voltou a cabeça para ver com o outro olho, igualmente vermelho de saúde; mas não havia dúvida que dali nada viria, era demasiado agourenta, demasiado escura, a figura.

As lágrimas caiam em fio sem soluços. Nem viu o pombo que, também ele, a ajuizara sem valor.

domingo, 20 de maio de 2012

Férias

Queria ir para um deserto desértico
Passar umas boas férias
Sem ver ninguém nem ouvir nada
Ao lado do mundo mas sem estar fora dele.
Queria o sossego e o silêncio
Do deserto temporário, a pedido
Uma coisa assim tipo time sharing.

Iria para lá por uns tempos
Gozar umas férias
Da vida barulhenta;
Escutaria o silêncio
Viveria o vazio
E choraria os males todos
Em lágrimas silenciosas.

Quem sabe assim
Ficaria consertado
O meu cansaço!
Poderia maldizer a vida
Sem ela me castigar
E teria saudades do mundo
Sem ele me esmagar.

São Pedro

Chove dois minutos, faz sol nos três seguintes e depois volta a chover.

Caraças, porque é que Deus não recebe o Pedro de uma vez?!? Na sala de espera, o rapaz tem de se entreter com qualquer coisa, eu percebo isso. Mas para nós é uma chatice.

Sim, eu sei que há muitas coisas muito importantes; mas a coerência é uma das coisas que me ralam, desde há muito tempo.

domingo, 6 de maio de 2012

Dia da Mãe

A Mãe morreu, vivam as Mães.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Perdidos

Tentei imensos caminhos, achando de todas as vezes que me encontraria lá ao fundo, sorridente, a acenar e a dizer olá. Mas não estava, afinal. E não estava em nenhum dos caminhos por onde andei...

Não há dúvida que não sei onde me encontrar mas nem é essa a questão: a questão é que não tenho vida para me procurar mais. Já não há pachorra. Doem-me os pés.

Lá terei de viver perdida, caraças.

sábado, 28 de abril de 2012

O silêncio é de ouro

Eu queria dizer-lhe que há acções que nunca terão retorno, por muito dorido, esforçado, prolongado e sacrificado que o esforço seja. O mal não está nas acções, nem na falta delas, nem na necessidade que as dita; nem sequer é mal, é apenas a natureza das coisas.

Era isto que eu queria dizer-lhe... Queria dizer-lhe que ela é só uma, dois braços, duas pernas e uma cabeça e que, se há coisas que nem um batalhão inteiro consegue, é natural que uma pessoa sozinha também não as consiga!
Queria dizer-lhe para não se preocupar tanto, para não se por em causa a si própria ou à sua capacidade de intervenção, para não se justificar perante si mesma porque as coisas são como são e, por vezes, não está na nossa mão torná-las diferentes...

Achei na altura que ela estaria farta de silêncios compreensivos, que o que queria era alguém  interessado que avaliasse aquela situação em concreto e lhe confirmasse sem indiferença que não estava a fazer nada de errado.

Mas as palavras são escorregadias, o meu discurso titubeante foi percebido como uma crítica - e nunca se consegue "desprovocar" uma dor.

Pois, perdi uma óptima ocasião para estar calada.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Inocência


A alegria das crianças é dolorosa
Como as crianças riem, santo Deus!
Com que que inconsciência,
Com que inocência,
Sentem permanente o momento alegre!
E nós sabendo que amanhã vai chover,
Sabendo que amanhã o jardim estará fechado,
Nós sabendo que amanhã alguém vai morrer,
Ou pior ainda, vai viver desesperado.
Mas as crianças riem com a certeza
Que fará sol e será possível brincar
E que estarão no jardim, outra vez, amanhã!
E riem com a boca toda aberta,
E na sua alegria cabe o mundo todo
E cabem todos os tempos
E cabe toda a gente.
As gargalhadas cristalinas,
Os olhos redondos de alegria,
Os gestos soltos e abrangentes...
Doem-me fundo, fundo, magoam,
Como se aquilo que a vida me ensinou,
Fosse uma traição à sua existência.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Ora batatas!

Hoje por ele, amanhã por si...
Ajude-me, quem sabe amanhã você vai precisar também!
Por favor publicite, amanhã poderá necessitar que publicitem para si!


Que irritação sobe por mim acima, quando vejo estes pedidos de ajuda! Só não respondo à bruta porque sei que as pessoas estão aflitas e uma pessoa aflita normalmente não está em condições de avaliar este tipo de consideração.

Além disso, se uma pessoa está aflita a malta tem é de ajudar e não de pregar moral.

Mas caramba, que irritante, que vontade de responder torto! Se uma pessoa precisa de ajuda e a malta pode ajudar, claro! Mas esta ameaça velada: "ó pá, se não me ajudares vais ver, um dia vais precisar de ajuda e ninguém te ajudará e vai ser muito bem feito!", isto dá cabo de mim.

Batatas, a malta ajuda porque a pessoa precisa de ajuda! Não é por haver um qualquer contrato místico com o Universo que nas letras pequenininhas diz que tudo é para a troca.

Irra!

domingo, 18 de março de 2012

Meu Portugal


Bem, eu gostava que soubessem que tenho consciência que não percebo grande coisa das coisas, o que estudei nada tem a ver com o que faço, o que me interessa nada tem a ver com o que estudei nem com o que faço e a minha vida tem pouca coisa a ver com o que me interessa, com o que estudei ou com o que faço.

Dito isto, estou à vontade para avançar: o melhor termómetro do país reside no Metro. Nas conversas, preocupações, roupas, sacos, sapatos, auriculares, etc, que se observam no Metro. Ainda há dias ouvi um julgamento lapidar do Sócrates, pelo telelé não sei lá para quem, tia, prima, amiga?!?

"Ó pá, o Sócrates desenrascou-se o melhor que pôde, tu também não ficaste a dever o carro?"

A verdadeira pobreza de Portugal é que só há Metro em 2 cidades.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Pergunta, perguntas...


Um dia perguntaram-me se sabia qual tinha sido o melhor ano da minha vida e eu não sabia. Suponho que deve ter sido em criança, tenho uma ideia vaga que minha infância foi muito feliz.

De outra vez, perguntaram-me o que é que eu esperava da vida e eu não me lembrei de nada. Perguntassem hoje e a resposta seria a mesma... Sinceramente acho que não espero nada da vida, o que fiz está feito e para o que não fiz já é tarde.

Talvez fosse mais correcto dizer que desejo que ninguém lá em casa perca o pão nosso de cada dia ou a saúde, que nenhum daqueles que chamo de meus tenha um azar que implique sofrimento. Mas isso não são bem coisas que se esperam da vida, são mais coisas que se espera que a vida não nos dê.

Seria bom, desejar intensamente tirar o brevet, ou construir uma vida alegre num país tropical ou comprar um Aston Martin: isso traria o objectivo que vale o esforço, o motivo para levantar da cama de manhã.
Mas a mim isto não me diz nada; acho que a certa altura da vida e sem eu dar por nada, o meu espírito reformou-se e foi para parte incerta.
Nada quero para mim e aos outros apenas desejo que não necessitem de mim.

Não me interpretem mal, não tenho qualquer desejo de morrer; mas se eu morresse neste instante não ficaria nenhum sonho por conseguir, nenhuma pena pelo tempo ser insuficiente - insuficiente quer dizer que não chega para alguma coisa em que é necessário.
Dos meus sonhos, os que não aconteceram evaporaram-se e já não existem. Não necessito de tempo, pois nada há que esse tempo me possa dar.

A vida por enquanto é confortável e a companhia é boa. Gozemos a vida, então.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Acupunctura


Bom, os drogados cá da casa andam a tentar deixar de fumar. Gotas e comprimidos e agulhas para controlar o estúpido vício. As agulhas são semanais e espera-se delas que... Ajudem :)

Puseram-nos uma agulha temporária a morder a cartilagem da orelha (órgão absolutamente incontornável na luta contra o tabaco! Estranho, estranhíssimo... A orelha?!???)

Hoje a cria, que refilava com a colocação da agulha desde que fora colocada, recortou com ar compenetrado um penso para calos. Chegou ao pé de mim com a sua obra e comandou: pões o buraco disto alinhado com a porcaria da cabeça da agulha, estás a ver?". Eu estava, o buraco ficou alinhadíssimo. Ele alisou a orelha com os dedos e espantosamente sorriu: - Gooooood.

E enquanto eu me ria, ele foi refilando e rosnando não sei o quê para dentro do quarto mas mais satisfeito.

Drogado sofre, né?... Quem me dera a mim perceber que raio têm as minhas orelhas a ver com a minha vontade doida de poluir os pulmões.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A importância de se chamar lugar comum

- Profissão?

Fiquei a matutar... Se tentasse explicar o que faço para ganhar o pão de cada dia, o homem ainda dava um tiro nos miolos. Nos dele ou pior ainda, nos meus.

Por outro lado o tipo tem de preencher o formulário, se não lhe der uma profissão o cursor não avança e a malta não sai daqui. Bem, há uma profissão que, não sendo profissão nenhuma, em todo o lado é aceite como uma profissão:

- Engenheira.

Boa, o cursor avançou.

- Naturalidade?

Pronto, agora já não há nada a fazer. Daqui passamos para coisas tão surrealistas como Freguesia e coisas assim. Que Deus me perdoe, não há nada a fazer!
Vou masé fumar uma cigarrada, é a única maneira de lidar com o surrealismo.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A vida é bela


Ele perguntou, com um sorriso:

- Como estão as coisas? Não veio cá antes da consulta, isso é bom sinal...

Eu também sorri:

- É verdade, as coisas vão bem! Fora o colesterol, a tiróide, os dentes a cair, a parestesia e a cegueira, estou com uma saúde de ferro - não estou a inventar, foi o outro médico que disse, depois de ver as análises!

Ele acenou com a cabeça:

- Bom, então temos de fazer qualquer coisa. Que acha, para o mês que vem?
- Acho bem, Doutor. Eu marco a consulta.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Irritações


Há muitas coisas que me irritam, sou uma rapariga muito irritadiça.

Uma das minhas irritações de estimação são as expressões (e as pessoas que as usam) sobre a suposta queda de valores a que se assiste hoje... Eu tenho péssima memória para datas e nomes mas se puxarem por mim vou à net (maravilhosa invenção) e em 10 minutos saco as mesmas choraminguices e recriminações, só que com datas de há mais de 100 anos e com nomes sonantes (senão nem as conseguia sacar, como é óbvio)...

Bolas, assumam que a vossa tristeza real vem do facto de já não terem 20 anos! E de já não conseguirem acreditar no que acreditavam quando os tinham. E que este simples e incontornável facto vos leva a rezingar com "os jovens" que mais não são para vós que a lembrança dolorosa que já não são o que foram e já não podem o que puderam e já não têm tempo como tiveram.

O que me irritam as considerações "sociais" da malta de hoje! Quando se olha objectivamente para a evolução das considerações sociais de hoje e se comparam com as de ontem, dá-me uma azia contra os meus contemporâneos! Quando vejo gente que, muito a sério, considera que os valores de ontem eram melhores que os de hoje, sobe-me uma coisinha por mim acima.

Apetece-me enviar essa malta toda num foguete temporal que os deposite há 200 anos, com o post-it de "não nobre" na testa. Só para perceberem que afinal não gostam assim tanto dos tais "valores" antigos, especialmente quando um dos seus factores é a quem se aplica.

Irra!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Perdigão que o pensamento / subiu a um alto lugar


Perdigão perdeu a pena, não há mal que lhe não venha

A partir de certa altura na vida, começou a repetir cada vez mais frequentemente esta frase, com um sorriso estranho. Eu encolhia os ombros, sorria também, dizia inanidades do género "Pois é..." sem na realidade compreender aquele sorriso.

Este tempo passado parece-me que compreendo agora, suspeito... A grande tristeza de saber que já não se é capaz, de questionar fora de tempo se foi a escolha certa, o caminho certo, a vida certa; a noção de que é tarde demais, que se esperou tempo demais, que já não vai dar; o desgosto profundo de não ter ninguém com quem realmente partilhar o tempo do medo; a consciência de que - tal como ela própria afirmou a vida inteira - a nossa vida ser em certa medida o que dela fizemos e não gostar da sua vida.

Perdigão perdeu a pena... E já não tem vigor para lutar contra o mal. Não é culpa do perdigão nem do mal que ataca, é simplesmente assim, a condição de já não se ser capaz.

Ela foi o meu símbolo de Humanidade, o meu ideal de luta, a minha ideia de persistência, rigor, amor, integridade e compaixão.
Capaz de discutir política e arte com os especialistas nos intervalos dos croquetes que fritavam, ensinou o português às crianças e a matemática e a filosofia aos adolescentes, aproveitando os intervalos para disseminar saudáveis dúvidas teológicas nos muitos padres que eram visitas de casa; feroz na defesa das suas ideias mas terna com o pássaro caído do ninho e capaz de passar a noite a velar as crias da gata vadia que morreu atropelada.

Claro que não era perfeita, fez tanta asneira na vida!
E a par disso, foi muitas e muitas vezes a imagem de quem faz o que pensa que é certo, custe o que custar e a quem custar. E esta nunca é uma escolha fácil: a quem custa, quando não é o próprio, custa bastante, arde, queima, pois não é escolha sua. Quem paga o preço, se não é quem compra, sente-se abandonado e traído sem remissão.
Esse custo alheio dói muitíssimo a quem escolhe, mesmo quando escolhe o que julga estar certo.

Nunca teve o que queria realmente, o que ela ansiava sem dizer, a sua necessidade verdadeiramente premente: uma irmandade, uma cumplicidade contra o mundo e a natureza das coisas, a compreensão do beco da sua vida.
Eu não percebi na altura certa, tão imersa que estava em coisas triviais e comezinhas...

Espero que estejas finalmente em paz, mãezinha. Desculpa-me o não ter percebido a dimensão do teu desgosto em tempo útil.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Encontro imediato do 1º grau


Será que se eu encontrasse Deus em pessoa no meio da Av. da República e ele me estendesse a mão, eu lha apertava?

Detesto pensar na resposta mais óbvia e mais verdadeira: depende de como Ele estivesse vestido.

Isto é só coisas que me ralam!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

À deriva


Sei lá que vos dizer, ando pra'qui, é o dentista, a médica, o trabalho, a família, o dia-a-dia, ando pra'qui que nem posso.

Não sei que vos diga, fui no outro dia ao chinês e nem comprei nada, era tudo caro, quer dizer caro não era mas eu não tenho dinheiro para folesterias.

Não sei, que querem, perdi o jeito para as conversas de caca, perdão, de sala. Se vocês quiserem conto a história da menina que foi violada, ou então a do miúdo de 7 anos que foi posto nu à porta de casa para aprender a obedecer aos pais; mas acho que ninguém quer essas histórias, são horríveis.

De resto, sei lá, ando pra'qui que nem posso, no outro dia ouvi sem querer umas conversas de corredor, que horror, era só dizer isto e aquilo deste e da outra. E não consigo perceber como conseguem depois sorrir um maravilhoso sorriso pepsodent a ambos, faz-me mal ao estômago, vou marcar outra consulta que isto não é normal, devo ter um problema digestivo.

Como não tinha companhia para o almoço fui antes dar uma volta, olhem arrependi-me porque a senhora velha que chorava no meio da rua disse-me que não tinha nada, não tinha nada, nada, e aquilo era só nervoso, eu que não ligasse, e eu não tive coragem de lhe dar dinheiro, tive medo de a ofender, rais parta este mundo onde um desejo de ajudar pode ofender também.

Sei lá, isto é tão esquisito, a vida toda, as gentes, vocês não acham?!? Pessoas que riem de dia e de noite choram, as gentes, todas as gentes, meu Deus ajuda aqui que eu já não percebo nada, como é possível esta loucura?!?

Isto é só coisas que me ralam.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Mantra

Não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses, não penses

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A contingência da Vida

O que eu queria era que não fosse hoje
Podia ser amanhã ou ontem, tanto faz,
Mas que não fosse hoje, nem agora.
Era o que eu queria, se pudesse:
Porque hoje está sol
Um dia luminoso e claro
E eu não sei onde estou
Nem sei para onde vou
Quanto mais por onde vou.
Se não fosse hoje
Eu saberia pela certa
Teria imensas teorias
Que explicariam muito bem
Estar eu onde estivesse.
Com toda a certeza
Se fosse amanhã eu saberia
Porque é que hoje estou aqui
Sem saber onde é aqui;
E se fosse ontem o hoje não existia
E eu não estaria aqui seguramente.


Isto é só coisas que me ralam.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Religiões


Eu não sou uma pessoa culta, já fui e já não sou, de modo que até conheço a diferença.

Mesmo nos meus tempos de pessoa culta, nunca dediquei grande tempo a estudar religiões, sempre me pareceu um bocado desperdício de tempo porque estava - ainda estou - convencida que, no fundo, no fundo, tudo se resume a uma questão de fé e a fé não é racional, embora possa ser racionalmente induzida em outrém.

Mas leio algumas coisas, de quando em vez. E de vez em quando analiso e discuto ideias e dogmas com pessoas de outras religiões.

De cada vez que isso acontece, sai mais reforçada uma convicção muito minha: se alguma vez deixar de ser cristã, só poderei ser ateia. Todas as outras religiões exaltam demasiado o bem estar próprio, com idiotices (na minha douta opinião, claro) do género "se não te amas, não podes amar os outros", ou "se não estiveres de bem contigo, não podes estar de bem com ninguém". Como se, para ajudar alguém, fosse necessário cuidar primeiro de si próprio, como nos dizem para fazer quando caem as máscaras no avião...

Não há nada de errado em cuidar primeiro de si próprio mas, na minha opinião, há algo de muito errado quando se acredita que o Bem é a necessidade dos outros estar sempre depois da nossa. Que temos a obrigação de velar pelo nosso umbigo antes de acudir a outro.

Não sei se isto é apenas uma estratégia para captar crentes (as pessoas, como toda a gente sabe, são egoístas - uma religião ou uma filosofia que lhes diz que isso é bom deve ser muito cativante) mas sei que esta maneira de ver a vida não me convence. Acho sinceramente que o egoísmo (independentemente de eu ser muito egoísta também) não é coisa boa e deve ser combatido.

Pode ser ignorância minha mas só conheço uma religião que diz "esquece-te de ti, os outros devem estar primeiro" e essa é a cristã (católicos, protestantes, etc, aquelas que aceitam Cristo como Deus - acho que os Judeus não exaltam o Eu mas em contrapartida também não incentivam a abnegação pelo nosso semelhante). Todas as outras de que tenho lido, conversado, ouvido, põem o Eu em primeiro lugar.

Só os cristãos reconhecem um louco leproso ou um tipo bera como seu irmão (para o resto da malta em geral é o "outro", um desconhecido sem qualquer relação connosco) e lhe estendem a mão (mesmo a tremer de repulsa!). E se a pessoa não for capaz de lhe estender a mão, terá de ser cristã para se sentir mal por isso - as outras religiões dizem-lhe que "não estava preparada", "que precisa de maior trabalho no seu eu interior", etc, etc, ou seja, que a culpa não é sua.
E é, é sempre escolha nossa.

Além do mais, ou não leram ou não concordam com o poeta que leio e com quem concordo:

"(...)
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim."

Ainda por cima, acho que o gajo era ateu.

Bom 2012, cambada.