segunda-feira, 30 de junho de 2008

Os outros

Porque é que as dores dos outros são sempre menores que as nossas, os trabalhos dos outros são sempre mais fáceis, mais simples e menos trabalhosos que os nossos, o empenho dos outros é sempre menor que o nosso?

Porque é que a competência dos outros é sempre menor que a nossa, as dificuldades dos outros são sempre mais pequenas que as nossas, os sacrifícios dos outros são sempre mais fáceis que os nossos e a sorte dos outros é sempre maior que a nossa?

Palavra que percebo muito bem porque é que a moral dos outros é pior que a nossa (se a gente a achasse melhor, seria essa a nossa, né?...) mas o resto não percebo. E vejo repetidamente o mesmo, até o detecto - socorro! - por vezes em mim própria, e não percebo. Que diabo, além de animais dotados de um saudável egoísmo, também somos supostamente racionais... Capazes de avaliar objectivamente um esforço, uma competência, um empenho... Ou não?

Aparentemente, não.

Hélas!

domingo, 29 de junho de 2008

Vida light

As coisas light, para mim, são problemáticas porque querem fazer-se passar pelo que não são... É como o café descafeínado: se é descafeínado, não é café; é uma bebida - às vezes bem boa! - com sabor a café e que se bebe quente mas não é café; porque diabo se intitula café?!?

Eu cá, quando como batatas fritas, não são light, trazem todas as calorias a que tenho direito (abro uma só excepção, a única que conheço: a Coca-cola Zero tem de facto o mesmo sabor da Coca-cola normal. Mas já não acontece o mesmo com a Coca-cola light, nem com a descafeinada, que são bebidas diferentes da Coca-cola embora se intitulem como tal).

Acho que embora fundamentalmente anti-fundamentalista, afinal sou fundamentalista em muita coisa. Completamente inflexível, mesmo...

E irrita-me sobremaneira que um produto pretenda ser uma coisa que não é, em vez de assumir a sua identidade própria... Tal qual como as pessoas, aliás. Irrita-me!

Hélas!

Aniversário

Acabo de chegar de um jantar de aniversário e estou triste.

Não tem nada a ver com a idade, tem a ver com o testemunhar de uma falta de capacidade de resposta de variada gente, o que (ai de mim) tem decerto a ver com o passar dos anos. A minha tristeza é também fruto do testemunho de certas maneiras de ser e de estar que, por serem de quem são, não me permitem o habitual e pacífico encolher de ombros com o comentário "É parvo/a!".

Não é este o momento nem o local para uma análise rigorosa dos motivos da minha tristeza, análise que vai ser necessária a bem da minha saúde mental; mas fazer isso aqui e agora e com os cuidados necessários a uma declaração pública seria pouco sensato. Mas posso dizer-vos que detesto estar triste por isto...

E posso dizer o seguinte: a idade provoca solidão. Seja por falta de capacidade de resposta a situações, seja por falta de independência, seja por falta de pachorra, seja pelo que for, provoca solidão. E sabem? Este tipo de solidão é muito difícil de ultrapassar. Porque já não se tem a natureza combativa de outrora, já não se tem os sonhos de outrora, já não se tem a vitalidade de outrora...

Espero morrer antes de eu própria ficar assim tão frágil, tão exposta, tão dependente! Mais do que a morte, o meu temor vai para a dependência da boa vontade de outros. Mesmo que ela exista, quiçá por ela existir...

Meu Deus! Acima de tudo, protege-me de não perceber e dá-me força para agir.

Hélas!

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Reciclagem

A fruta caiu no chão e lá fica, a apodrecer. Nós olhamos para ela e ficamos tristes:

- Olha para aquilo! Tanta gente com fome e fruta tão boa, assim, desperdiçada!

Genuinamente tristes, genuinamente chocados, genuinamente revoltados com aquele desperdício.

Genuinamente alheios e inconscientes que há uma míriade de seres, esfomeados também, que se alimentam da fruta: formigas, pássaros, larvas. Todos eles se alimentam da fruta que caiu no chão e todos eles, meramente pela sua existência, contribuem para o nosso bem estar. Não são dos nossos, não existem:

- Olha para aquilo! Tanta gente com fome e fruta tão boa, assim, desperdiçada!

Hélas!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Reunião II

Há reuniões difíceis...

Já experimentaram ir determinadamente a uma reunião para fazer papel de palerma convicto? Para dizer com ar cândido que continuam a não saber a resposta a uma pergunta importante que vos foi feita e pela qual eles esperam há 3 semanas com alguma bonomia, além de lhes ter sido prometida uma resposta conclusiva nesta reunião em particular (ainda por cima sabendo nós que a resposta, seja ela qual for, não é a desejada)? Para, determinadamente, fazer de conta que não compreendem as suaves e perigosas críticas que tal comportamento acarreta, perante pessoas que respeitam?

Um conselho, se tal me é permitido: evitem enquanto for humanamente possível. É altamente desagradável e não se aprende nada com a experiência.

Quando não for possível de todo... Bem, as mulheres podem experimentar o meu método: olhem nos olhos o vosso interlocutor e digam simplesmente que lamentam mas não podem responder e que provavelmente a resposta não é a desejada. Aos homens não posso dar conselho: a dinâmica é completamente diferente e, sinceramente, eu não a compreendo; o melhor é não opinar.

Hélas!

Espantos

Hoje aconteceu um inesperado (para mim).

Eu esperava uma coisa e aconteceu outra, nada de estapafúrdio; o que me continua a espantar - tantos anos disto! - é que na realidade, eu não conheço as pessoas.

Julgo que sim mas os factos contradizem-me.

O acontecido não foi nada de grave nem de momentoso; apenas a consumação dos factos versus aquilo que eu julgava mais provável. Claro que "aos despois" há imensas teorias que justificam os acontecidos; mas permanece o facto incontornável de eu julgar que ia acontecer "isto" e na verdade o que aconteceu foi "aquilo".

O que me vale é que a vida e as pessoas nunca cessam de me espantar!

Hélas!

terça-feira, 24 de junho de 2008

Arte

Sabendo eu que isto é um cliché sobre a maneira de ser das mulheres, não me importa: acho mesmo que, por vezes, não é tanto o que se diz mas como se diz, que faz a diferença.

A arte que eu gostava de dominar é a arte de dizer a um energúmeno que vá a um certo sítio de tal forma que ele me agradecesse as indicações.
A arte de dizer "Não" de forma que soe a "Sim" a quem ouve e só depois (isto, se acontecer de todo!) a pessoa se apercebe que aquele "sim" afinal tem todas as consequências de um "não".
A arte, não de enganar mas de convencer, que aquilo que a gente está a dizer é exactamente o que se queria ouvir, embora o resultado seja precisamente o mesmo que ouvir o que não se queria...

Isso existe, sabem? Eu já a vi a funcionar, mesmo à minha frente. Meu Deus, se calhar até já funcionou comigo e não me apercebi, como deve ser quando é feito com Arte (se calhar até alguém se apercebeu do efeito em mim, tal como eu me apercebi do efeito em outrém!...)!

Ah! O que eu gostava de dominar essa arte!

Hélas!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Egoísmo

Depois de algumas conversas interessantes - algumas, além de interessantes também um pouco surrealistas, um espanto... Aqui vai a minha douta opinião, com a habitual filosofia de trazer por casa:

Acho que é hora de aprender que o egoísmo - antes retratado como o demónio itself, depois como uma obrigação para com a nossa saúde física e mental, e por extensão, como consideração por aqueles de quem somos próximos - não é nem uma coisa nem outra.

É aquilo que nos permite sobreviver como indivíduo (um fim, senão nobre, pelo menos socialmente aceitável...) e que nos permite, quando o sacrificamos, adquirir um bem maior (atenção: maior, mas na nossa própria avaliação!).

Não é nem fonte essencial de equilíbrio nem moeda de celestial altruísmo: é apenas (mais uma!) ferramenta de que dispomos para conseguir o que queremos.

Seja lá o que for que queremos, na verdade a espécie humana dispõe de muitas ferramentas para o obter e muitas moedas para o trocar...

Hélas!

Filmes

Estive a ver um daqueles filmes americanos, cheios de acção, malta ginasticada em camuflado e granadas. Um entretenimento inofensivo.

Houve (no entanto e no entanto como de costume...) uma parte que me fez meditar: há um tipo a negociar com outro tipo a vida de um terceiro. É claro que discutem em dólares - o filme é americano - mas nem é isso que me prende, o avaliar uma vida em $$.

O que me prende a atenção é o "bom" conseguir discutir construtivamente com o "mau", argumentanto cêntimos, esforços, chantagem e esperança, tudo no mesmo cesto e conversando a conversa possível... Nem me interessa o resultado (é um filme!), o que me interessa de facto é a habilidade de conseguir falar e argumentar racionalmente num referencial que não é nosso (o "bom" é mesmo bom, não é um "mau" que por acaso está do nosso lado). Que arte! Que inveja dessa arte!

Hélas!

sábado, 21 de junho de 2008

Sábado

Hoje é sábado, dia de descanso. Obediente, cá estou eu descansando - todo o dia de pijama - que nem ir ao café fui porque cansa muito...

E sabe bem o descanso, com todos os interesses e esforços deliberada e determinadamente ausentes.

Só tenho pena que não haja um descanso de nós próprios, um dia de vez em quando em que nem para nós estivéssemos presentes...

Era bom, não era?

Hélas!

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Cansaço

(...)
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...
[Álvaro de Campos]

Estou cansada, estou mesmo.

Cansada daquele cansaço feito de desânimo e de desesperança, um cansaço impregnado de desistência, um cansaço daqueles que não vê qualquer utilidade no esforço, feito ou por fazer.

Estou cansada de lutar, refilar e esbravejar - nem vem ao caso o motivo da capitulação. Sim, estou cansada, muito cansada.

Parece-me tudo um grande trabalho, um grande, grande trabalho, sem esperança, reconhecimento ou recompensa, por outros ou por mim própria; e á minha frente está apenas um grande, grande trabalho e eu que estou tão cansada!...

É que estou cansada, sabem? Mas muito, mesmo muito, cansada.

Hélas!

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Verdades

Toda a gente sabe que há verdades que custam a ouvir. Directamente e sem eufemismos, abalam a nossa auto-estima.

Eu falo. Sou desbocada nestas coisas, o que estou certa já me custou algumas amizades (umas potenciais, outras que já tinham ultrapassado essa fase mas que acabaram por morrer mais tarde...). Falo e falo demais, está provado pela realidade e pelos factos.

Nesta análise, acho que o pessoal leva um bocado a mal que eu me sinta no "direito" de mandar bocas. E acho que não percebem bem que para mim não é um direito, é um dever. Quase ninguém cumpre esse dever para comigo, o que me deixa um bocado pobre, mas lá está - para eles não é um dever, é um direito que eles não sentem como seu... Porquê? Será arrogância minha, uma certa forma de estar e falar, que desencoraja o pessoal?!?... Deve ser.

Já me disseram que é desânimo antecipado - porque eu gosto de "contra-argumentar até à exaustão", uma verdade bem verdadeira, ai de mim, sou mesmo muito discutidora.

De facto nem percebo bem porque é que as pessoas não querem explicar - logo: abrir a debate - uma posição qualquer. Não pensaram bem no assunto? (é o que parece mas de certeza que não deve ser isso). Ou pensaram mas não querem explicar (estão cansados e sem pachorra? Mas então digam isso, bolas, é um motivo perfeitamente válido...)?

Se calhar isto não interessa a ninguém além de mim, chata e picuinhas... Sei lá.

O que sei é que me entristece detectar certas reacções zangadas; e também me entristece ouvir certos elogios.
E entristece-me ouvir alguns agradecimentos.
E custam-me alguns diz-que-disse, particularmente quando as supostas fontes são supostos amigos, que nunca me disseram nada directamente.
E aborrece-me estar aqui a congeminar sozinha os meus defeitos, que impedem outros de me dizerem o que é que em mim os incomoda...

São coisas que me ralam.

Hélas!

F*

Tiro-me das minhas próprias regras, porque estou furibunda. Danada. Zangadíssima. Além disso, se as regras são minhas, maior é o meu direito de as furar - nem há sequer quem note a diferença.

Conversa para aqui com este, conversa para aqui com aquela; estou furiosa e pronto.

Que diabo, ninguém f*. As pessoas fazem coisas - amor, engano, fuga, sonho, simples satisfação de necessidades, domínio, perda, desespero - mas ninguem f*. É um erro perpetuado pela liguística.

Revolto-me contra isso. Porque dizer f* referindo-se ao acto em si, quer apenas dizer que não somos capazes - ou não queremos - exprimir racionalmente o que nos vai na alma.

Não! Não, não, não e não.

Ninguém f*. Mas quase toda a gente sente alguma vez a necessidade de se esconder atrás dessa palavra e é claro que não estou a falar do tipo que falhou o prego e acertou no dedo.

Batatas!

Hélas!

terça-feira, 17 de junho de 2008

TV

Eu estava preguiçosamente a ver TV, mais precisamente, anúncios. Eu já disse aqui que gosto de anúncios, não já? Pois é verdade e estava a ver os ditos como quem vai a uma galeria de arte. Este é giro, mas que porcaria!, este é novo, nada de especial, mais um detergente milagroso, olha, tenho de experimentar isto... Estão a ver o espírito?

Depois houve um que me fez soerguer, espantada. Perguntei ao meu homem, pachorrentamente sentado ao meu lado, a aguentar galhardamente com aquela cangalhada, o normal num homem saudável que acompanha a mulher a uma galeria de arte abstracta:

- Mas tu já viste isto?!? 'Tá tudo doido?

Sobressalta-se o rapaz, tão repentinamente acordado de agradável modorra (em algumas pessoas, os anúncios têm um efeito comparável ao Xanax):

- O quê, o quê?
- Este anúncio, tu já viste isto?

É claro que entretanto, o tal anúncio já tinha acabado e a "caixa mágica" debitava agora as maravilhas de um sabonete qualquer.

- Que é que tem?!?
- O outro, pá, o anterior!
- Mas qual anterior? Estás a falar de quê?

Desisti. Aquela preciosidade tem de ser vista, contada não se aprecia devidamente... Mas vou contar aqui: aparece uma jovem bem-disposta, a explicar o novo programa de TV: uma vista de olhos sobre programas, para miúdos, ao ar livre, fazem muito melhor que estar metido em casa; de modo que, meus caros miúdos, passem as tardes de sábado a apreciar este programa fantástico, que descobre por vocês coisas maravilhosas que podem fazer ao ar livre.

Têm é de estar em casa, esparramados no sofá, para saberem o que poderiam ter feito ao ar livre se não estivessem esparramados no sofá a saber o que se pode fazer ao ar livre...

Não acham isto um achado?

Hélas!

domingo, 15 de junho de 2008

Sorriso

Ele sorri sempre.

Tem a sua vida e as suas penas; mas ouve sempre e sempre sorri.

Quando é procurado, exclama, encorajador: "- Olá!" e sorri. E ouve tudo, com ar calmo. A gente diz os ques e porques, aventa hipóteses, angustia-se; procura respostas, explica a possível causa das coisas; ele ouve e sorri, compreensivo, um sorriso doce que nega a solidão. É assim com muita (não toda, acho eu) gente.

Mesmo quando é inquirido, ele nunca nos diz da sua vida, não aventa hipóteses, não se angustia para nós, não explica nem responde; apenas sorri aquele seu sorriso.

Demorou muito tempo antes de eu perceber que ele apenas se protege, afasta-se da montanha russa que são as relações com os outros e, simpático mas prudente, esconde a sua distância nas esquinas do sorrir.

Agora que percebi, já não sou capaz de lhe expor as minhas dúvidas metafísicas, as minhas fragilidades, o mar alto de mim.

Ao fim de um tempo, ele pergunta-me, sorrindo o seu sorriso quente: "Andas zangada comigo?" e eu respondo, também com um sorriso: "- Não!".

E é verdade.

Hélas!

sábado, 14 de junho de 2008

Vida IV

A vida tem um mau hábito... Segue-nos por todo o lado!

A gente foge dela, barrica-se em ilusões, deita-se a supostos abismos... E a bicha segue-nos, fiel que nem um cão.

Fazemos fintas, enganamos tanto a esperança como o desespero, fugimos para a frente ou atacamos na retaguarda, acachapamo-nos resvés ao chão ou subimos ao mais alto mastro - mas a alimária lá está no nosso caminho, olhando para nós toda contente, a abanar o rabo.

E tudo aquilo de que se fugiu lá está com ela, igualmente contente, a abanar o rabo também.

Arre! Não há maneira de prender a dita a um poste, enquanto a gente tira umas férias e vai ali só um instante para ver uma coisa?! Era bom, poder deixar a bicha longe - mas segura - e quando voltássemos retomar calmamente a sua trela...

Hélas!

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Amanhã

- Até amanhã!

Há um milagre de esperança, nesta confiança do amanhã, não há?

Confiamos que nada se vai passar que impeça o amanhã - o nosso, o de quem nos despedimos e o dos outros que conhecemos também, claro - de acontecer.

Temos a certeza de que nada de importante mudará amanhã. Amanhã será como hoje, com as mesmas coisas, as mesmas pessoas, os mesmos aborrecimentos, as mesmas alegrias. Enfim, o amanhã é um hoje adiado, apenas.

Sabemos que às vezes há surpresas, umas vezes boas outras más, normalmente más. Mas não interessa: mantemos uma confiança inabalável:

- Até amanhã!

Hélas!

Pessoas

Conheço algumas pessoas estranhas para mim.

Mansas, essas pessoas (cuidado com a fúria dos mansos, sussurra-me uma voz antiga, amada e já desaparecida) são gentis, avessas a confrontos.

Essas pessoas são para mim uma permanente fonte de espanto (leiam bem, por favor: de espanto, mais nada além de espanto). Pois são tão diferentes de mim! Ouvem, sorridentes, não expressam nem juízos nem conselhos. Aceitam, mansamente, o que lhes diz quem o diz. Não contrapõem nem sugerem. Respeitam integralmente a individualidade e o ponto de vista de quem lhes fala.

Não são tolas (longe, muito longe disso!). Não são cobardes. Não são estúpidas nem amorfas, raciocinam e têm opinião; só não a dizem se não for expressamente pedida e às vezes nem nessa altura...

Têm princípios, por vezes muito fortes, quiçá até mais fortes que os meus; mas não os expressam, muito menos em confronto com o que lhes é dito.

É tão difícil conhecer essas pessoas! O que pensam, de facto? Qual a sua opinião sincera sobre isto ou aquilo? Parecem sempre sorridentemente connosco, pacificamente connosco, solidariamente connosco... Embora nunca, ou quase nunca, de acordo expresso. E esta ausência de contraponto, justa ou injustamente, é quase sempre tomada por acordo. Como toda a gente sabe, quem cala, consente... E quem consente sem uma palavra não só consente como concorda, digo eu.

Mas tal acordo não é possível. Há coisas em que só nós próprios podemos realmente estar de acordo connosco... Porquê este silêncio, este assentir?

Só coisas que me ralam.

Hélas!

PS.: Lamento mas contrariamente ao habitual, os comentários de hoje só serão respondidos amanhã. É que estou com uma soneira que mal me deixa abrir os olhos e o escrutínio de outras sopas, outros tempos e outras razões merece mais que um bocejar ensonado... Pois se são a Sorte Grande!

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Destino

Sopra um frio, alheio vento
Bailam nos cantos folhas caídas;
Há nos becos um hino lento
Às gentes dos outros perdidas.
Cola-se ao duro cimento
O sofrer de tantas vidas;
Ouve-se ao longe o lamento
Das penas tão escondidas.
Não há quem ponha tento.
Não há quem seja Midas.
Não há quem dê assento
A verdades já tão lidas.
Quem faz um faz um cento,
Nunca saram as feridas.

Os sonhos, leva-os o vento.
Não vê as vidas morridas.

Hélas!

terça-feira, 10 de junho de 2008

Show

O concerto tal, o ballet não-sei-quê, o espectáculo xpto... Acho que a páginas tantas deixamos de ir tanto a estas coisas porque já não servem... É como a história da bela adormecida: lindíssima, mas aos 40 já não nos diz grande coisa, embora continue a ser lindíssima...

Mas lindíssima já não chega.

Estão verdes, não prestam - diria a raposa - só cães as podem tragar. Mas acho que não é exactamente assim: num certo ponto do caminho, a maralha sabe e aprecia se estão mesmo verdes ou se é só despeito de quem não pode usufruir, verde ou madura; mesmo que sejamos nós a raposa.

Acho que muitas vezes, mesmo estando madura e ao alcance, há quem já não tenha fome desse fruto. Passou. Sumiu-se. Não há retrato mais fidedigno da idade que uma selectiva falta de fome.

Hélas!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Riqueza e Liberdade

Sim , pode-se dizer à vizinha, cujo marido está a morrer, que vai ficar mais livre. Mas só se ela perceber que ser mais livre é ser mais pobre...

Houve um santo qualquer (S. António? S. Francisco? Caramba, às vezes assusta-me a mim própria a minha falta de memória, o meu desinteresse pela precisão, o meu focus no conceito abstracto que tende a menosprezar coisas tão importantes como QUEM, QUANDO, ONDE!) que, consciente disto, determinou um verdadeiro voto de pobreza - não se podia ter nada, mesmo nada, além das vestes (irrelevante, fruta da época, a vista do corpo pode despertar/facilitar tentações indesejáveis) e da malga para comer o que fosse oferecido. De outra forma, nunca se poderia pertencer de corpo e alma ao ideal.

Era sábio, esse santo.

Aplica-se a posses materiais mas não só. E as outras, as imateriais (amor, respeito, amizade) têm cadeias muitíssimo mais fortes que um sofá ou uma TV. Não é mau nem é bom: é assim, simplesmente, como a gravidade.

Quem quer ser livre, verdadeiramente livre, não pode submeter-se a essas cadeias. E - ai de mim! - só nessa perfeita liberdade é que algumas escolhas podem ter lugar. O que é uma grande falta de liberdade, convenhamos.

Ora batatas.

Hélas!

domingo, 8 de junho de 2008

Queixas

Eu queixo-me. Muito.

Diz-me quem me conhece que estou sempre a queixar-me, como o Calimero.
Queixo-me do calor quando faz sol e do frio quando está de chuva. Queixo-me da vida, do inferno que são os outros e da danação que é não haver outros.

Queixo-me da falta de cabeça de quem nem as pensa e queixo-me de quem as pensa com falta de cabeça.
Queixo-me de quem decide (normalmente com uma perfeitamente evitável falta de conhecimento, mas isto já sou eu a queixar-me agora) e queixo-me de quem nada decide, com conhecimento ou sem ele.
Queixo-me de quem ama sem razão e de quem raciocina sem amor.
Queixo-me de quem não pensa no futuro e queixo-me de quem não pensa no presente. Ah! E queixo-me de quem não se lembra do passado.

Se bem percebo o que me dizem, queixo-me de tudo e de todos, da Vida, do Outro e do Existir.

Só para lhes fazer justiça, claro, vou agora queixar-me mais uma vez: acho que ninguém me percebe mesmo. Sendo quem sou, como querem que não me queixe de tudo?!? Se ninguém é como eu sou, ninguém pensa como eu penso, ninguém acha o que eu acho, ninguém vê o que eu vejo, ninguém ouve o que eu oiço?!? É que das duas, uma: ou me queixo ou me deito ao rio; como não tenho tendências suicidas, queixo-me. Muito, ao que parece.

Ah! Quem me dera não ser quem sou! Fui até ao campo com grandes propósitos / Mas lá encontrei só ervas e árvores, / E quando havia gente era igual à outra.* E como querem que não me queixe, se permanentemente e com grandes propósitos, me desloco ao campo e o que encontro são ervas e árvores? E quando há gente, afinal é igual á outra?!?

Queixo-me, é claro. Não do campo só ter árvores e ervas mas sim de ir ao campo e encontrar só ervas e árvores. Há uma diferença, nem por isso muito subtil.

Na realidade, do que me queixo é do que sou, não do que é quando eu sou. Mas isto é muito complicado de explicar (já viram o tamanho deste artigo?!?), é muito mais fácil queixar-me.

Não se percebe? Ora batatas, queixo-me eu.

Hélas!

*Tabacaria - Álvaro de Campos

sábado, 7 de junho de 2008

Amigos e Inimigos

Estamos em conversa com um amigo e, levados pelo ambiente, confessamos uma fraqueza ou uma dúvida daquelas pesadas. Dizemos mais umas coisas e de repente ele/a olha para o relógio e diz: "- Bolas, tenho de ir!"

No msn - vivam as novas tecnologias! - ainda é pior.

Confessamos, a custo e com grande sacrifício, uma fraqueza. Juntamos mais meia dúzia de frases inócuas - não vá o lado de lá supor que lá por confessarmos uma fraqueza somos mesmo fracos!, e ele/a responde: "- Desculpa, tenho visitas, falamos depois."

Nenhum inimigo faria isto! Raça de mundo, em que os inimigos são mais certos que os amigos!...

Os inimigos são muito mais confiáveis. Quando constatam uma dúvida ou uma fraqueza ficam lá, de pedra e cal, retendo o máximo que puderem da questão... Não têm nunca de ir jantar e estão a borrifar-se para os sobrinhos que chegaram; a nossa fraqueza é muito mais importante que essas ninharias.

Já sabem: se no meio de um tropeção na vida o vosso interlocutor disser que tem de se ir embora por uma razão qualquer, podem retirar esse tipo da lista de possíveis inimigos. Agora se fica ou não na lista de amigos, ah! Isso já é uma questão muito mais complicada...

Hélas!

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Conheço muitas mulheres, até sou amiga de algumas, poucas. Dessas poucas, quase nenhuma chega lá, o que não afecta em nada o grau da minha amizade por elas ou da delas por mim, acho eu.

Também conheço muitos homens (será que já disse aqui? Já ando por cá há alguns anos) e é a mesma coisa (nesse aspecto eles até são um bocadito melhor que elas, parece-me, embora possa estar redondamente enganada) poucos, muito poucos, chegam lá.

Parece haver na raça humana alguma dificuldade genética, no que diz respeito a chegar lá. Das outras raças não me pronuncio.

Não é questão de bondade ou maldade, também não é questão de berço de ouro ou de palha. Não me parece que tenha nada a ver com religião e definitivamente não está relacionado com a inteligência. Não, é qualquer coisa mais esquiva, mais indefinida, mais intangível.

Pode ter alguma coisa a ver com o feitio e idiossicrasias de quem nos cria, o que é manifestamente injusto mas também incontornável. Mas sabem? Acho que tem é a ver com genes, o que além de ser ainda mais injusto que as tais idiossincrasias, é ainda por cima também muito mais incontornável.

Com muito trabalho e perseverança, no entanto, conseguem-se estratégias e tácticas mais ou menos eficazes, apesar de nunca serem realmente a mesma coisa que quem sempre se conheceu assim, sem trabalho e sem esforço, naturalmente capaz de chegar lá...

Lá - onde estão aqueles que não pensam como nós, não sentem como nós, não têm os nossos valores nem os nossos traumas e não são, muito simplesmente, nós.

Ser capaz de calçar os sapatos alheios, andar os seus passos, ver com os seus olhos, sentir as suas dores, amar os seus amores... Ah! Não, não é para todos. Mas acho que se consegue, com esforço e perseverança. Um problema maior parece-me que é notar (ou saber, interiorizado, não ser isso uma mera possibilidade teórica) que há uma diferença entre o que "nós vemos" e o que "eles vêem" e depois, é claro, também é preciso querer ver o que eles vêem. Acho que é por isso que
pouca gente chega lá.

Já vermo-nos a nós próprios com os olhos deles... Olhar para a nossa cara com se fora a de outrém, ver as borbulhas, os pelos e as rugas com toda a clareza e com a mesma indiferença... Bom, isso tenham juízo, nem é possível sequer.

Mas há quem tente. Tentar é próprio do Homem.

Hélas!

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Tu não ME morras.

Os ingleses têm esta frase, que eu adoro. D'ont you die on me! Todo um tratado de filosofia num simples pronome.

A morte não afecta quem morre, pelo menos não na nossa dimensão de vivos. Não, nessa dimensão, afecta quem continua vivo, mais livre e mais pobre. Meus irmãos de alma, por favor, por grande favor, aguentem-se à bronca e não me libertem.

D'ont you die on me! Nem se atrevam. Porque eu fico livre para fazer asneiras, porque são vocês quem me segura no caminho, porque são a razão primeira para eu recusar o abismo.

D'ont you die on me. Eu não quero ser livre e pobre de vocês; quero estar agrilhoada pela vossa existência e ser rica dessa presença. Quero impôr a mim mesma as peias do sentido da vossa existência. Aguentem o que for preciso aguentar mas, por favor, d'ont die on me...

Hélas!

Faladuras

Plagiando-me a mim própria de outro contexto, "a linguagem é uma fonte de mal entendidos* (esta frase lapidar implica boa fé, entre muitas outras coisas, valha-me S. Teotónio ou se calhar ficava mais bem servida com o Principezinho).

Há outras, claro; mas a raça humana prefere a linguagem, quando (des)comunica."

De forma agora mais original: porque será que a linguagem, nascida para comunicar melhor, afinal é ainda mais enganadora que tudo o resto? Acho que é por, melhor que tudo o resto, retratar tão bem a natureza humana: é confusa, falsamente precisa, emocional, indecisa, de significado egocêntrico, sujeita à concentração de sódio, potássio, hormonas, humores, suores e intensidade solar, entre outros factores.

E ao contrário do resto, valha-me S. Teotónio! aparenta racionalidade, frieza, especificidade. O que, pensando bem, até faz jus maior à sua natureza humana.

Hélas!

* O Principezinho (diálogo com a raposa) - Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 3 de junho de 2008

Dores

Pois é, neste mundo há dores à fartazana.

Muitas e variadas. Há a dor na unha do pé. Há a dor do filho que morreu. Há a dor de ser tarde para fazer o que se queria e há a dor de não se ter uns dentes perfeitos. Todas doem, muito, muito, a quem doem.

Sim, dores há muitas. Em geral, as nossas doem mais que as dos outros, sabe-se lá porquê, deve ser da sua natureza.

O que a gente às vezes se esquece quando as dores doem é que para os outros, somos nós os outros e as nossa dores doem menos. Que diabo, se nós mal sentimos as dores deles, como podem doer mais que as nossas?!?

Ora batatas! Já me doi a cabeça de tanta volta. Doi-vos alguma coisa, a vocês?

Hélas!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Blog

O som é sugestivo: uma bolha de ar que abre caminho lento, através de um fluido mais grosso que água e mais fino que barro, faz "bloggg" quando chega à superfície e finalmente rebenta.

É isto: bolhas de pensar e sentir a navegar pela sopa da vida e do tempo, vagarosas, teimosas, juntando-se ou separando-se de outras pelo caminho, navegam lentamente. De repente, bloggg... chegam à superfície da razão, fazem alguma espécie de sentido. Vêem a luz do dia, assumem a sua natureza e assinalam o fim da viagem. Já não podem navegar mais.

Se tiverem sorte, podem sujeitar-se ao escrutínio de outras sopas, outros tempos, outras Razões; mas para isso é preciso serem notadas no momento certo e por alguém que se dê ao trabalho, que não esteja farto, cínico, desiludido ou simplesmente cansado; esse alguém terá, ainda por cima, de lhes dar a conhecer o resultado do escrutínio pois ninguém levanta um prémio se não souber da sua existência. Isso é que é a grande sorte, um bilhete de lotaria que lhes permite mergulhar novamente e iniciar uma nova viagem, tornando possível (não obrigatória!) a mudança.

Mas normalmente isso não acontece. Após algum tempo, cristalizam ainda mais a sua natureza e, sem serem desafiadas, para lá ficam: desacompanhadas, indiscutidas e petrificadas. Às vezes é mesmo uma pena pois tinham potencial mas enfim, é o ritmo da vida...

A blogosfera não é mais que uma nova oportunidade de se exporem, de aumentarem as probabilidades de lhes sair a Sorte Grande. Um nome sugestivo, não acham? Bloggg...

Hélas!

domingo, 1 de junho de 2008

Vida III

Há momentos em que a vida é bela.

Miraculosamente desligados da infelicidade, de repente reparamos que o sol brilha, os pássaros cantam e as crianças riem. O céu é azul. No passeio ao lado, um cão abana o rabo, todo contente. Na janela do prédio próximo, é um gato que olha pacificamente para a rua, com um ar farto e satisfeito.

As nuvens, lá muito ao alto, animam o horizonte e são de uma pureza branca de quem nunca sonhou chuva. O ar é luminoso e alegre, a música que se escapa do altifalante do café afirma em surdina e melodiosamente a existência de amor. As árvores, de grosso tronco, comprovam anos de resistência e a rir por entre os seus ramos, há flores que espalham perfume e promessas de renovação.

Um pardalito olha com ar inquisitivo para nós e atreve-se a roubar da mesa uma migalha. Tudo aparenta paz e contentamento.

Sonhadores, olhamos em volta e o olhar prende-se repentinamente na TV: há gente a morrer de fome, sede, maldade e estupidez. O momento passou.

Hélas!