segunda-feira, 29 de junho de 2009

Sonho


Eu não sei o que faria, para ter o dom necessário para adorar pintar. Ou desenhar. Ou cantar. Ou tocar, este, ou aquele, ou outros mais instrumentos. Adorava ter aquela compulsão que nos leva a deixar de almoçar para poder comprar o material necessário para fazer uma coisa. Aquela coisa, não uma coisa qualquer.

Deixem-me clarificar: não é o aplauso público (de que toda a gente gosta, mesmo quando diz que não - mas que normalmente não é, de facto, a força motriz) que eu quero. Não sonho com a fama, pois na verdade prefiro a privacidade do anonimato; nem com a fortuna, embora uns cobres a mais não fizessem mal nenhum.

Não. Aquilo que me faz verde de inveja é a paixão por uma actividade. Não sou burra, praticamente poderia ser qualquer actividade que se aprenda; mas o que não me falta em inteligência ou persistência falta-me em paixão.

Uma chatice, realmente (e um peso indecente para aqueles que nos consolam no desespero). Dá uma trabalheira danada, reinventar todos os dias a razão de viver.

Hélas!

domingo, 28 de junho de 2009

Simples?!?


Não falo de situações extremas, no limite ou abaixo das necessidades básicas, doenças terminais, morte violenta, guerra... Não, não falo disso porque tenho a ventura de não as viver. Mas desconfio que aí é ainda mais simples: viver ou morrer.

Mas não, agora estou a falar da vida corriqueira de gente acima das necessidades básicas, gente vulgar da minha afortunada vulgaridade.

É tão fácil a infelicidade! Um trejeito de lábio, um resmungo. Uma frase infeliz. Um silêncio.

É tão fácil a felicidade! Um sorriso. Uma carícia, os nós dos dedos mal afloram a face. Um olhar.

A vida parece simples. Mas não é.

Hélas!

Que chata!


Perguntaram-me porque era eu tão chata.

Porque é que insistia para se levantar quando não há nada para fazer, porque é que insistia para se mexer quando estava tão cansada, porque é que queria que se vestisse e penteasse, quando nem sequer ia à rua. Qual o objectivo do enorme esforço?!? "És chata! Porque é que és tão chata?"

Eu não soube responder.

Estes cursos de soft skills são uma treta.

Hélas!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Michael Jackson


Morreu inesperadamente, com meses de trabalho planeado para o futuro. Foi-se.

Não tenho a veleidade de pretender saber a verdade mas e como toda a gente, sou sensível a estes dois ditos:
  1. Onde há fumo há fogo;
  2. Caluniai, caluniai, que alguma coisa há-de ficar.
Posto isto e porque não tenho qualquer interesse no homem, deixem-me chorar publicamente o artista que tantas vezes me tirou do desânimo.

O meu mundo ficou hoje mais pobre de futuro.

Hélas!

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Um dia


Um dia acordarei em paz e não me ocorrerá perguntar o porquê dos homens não serem felizes.

Um dia a incoerência, minha e alheia, me passará desapercebida no alegre revolutear dos pássaros.

Um dia, a Injustiça e a Dor ficarão escondidas com vergonha da luz e a única coisa que se passeará ao sol será a vontade de crescer.

Um dia.

O que me chateia é que nesse dia provavelmente estarei mortinha da silva.

Hélas!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Soft skills


Acabou hoje um ciclo de 4 dias de formação. Tema geral em epígrafe, temas particulares: recursos humanos (nome odioso), liderança, delegação, auto-conhecimento e auto-controlo, QE, comunicação.

Tudo coisas de senso comum, embora comummente não sejam dissecadas, analisadas, sintetizadas e organizadas; as pessoas não gostam da frieza de uma análise e síntese objectivas, especialmente quando aplicada a si próprias.
Mas em geral são coisas do conhecimento e aprovação de todos; muito poucos se atrevem hoje a ir contra isto e, se o fazem, normalmente é por uma de duas razões: ignorância do assunto ou incapacidades na área.

Gostei, claro. Quem me conhece sabe que adoro psicologia, sociologia, e outras ias relacionadas com pessoas.

Conheço relativamente bem quase todos os formandos e regra geral são pessoas a quem respeito pelo menos a inteligência; talvez por isso ficou consolidado hoje o desgosto. Na maioria das vezes, discutia-se o que não estava em questão ali e naquele momento (valores morais, educação, status, incompatibilidades pessoais... Assuntos para outro forum.) Nunca ou quase o assunto que está na mesa: técnicas de auto-controlo, técnicas de comunicação, técnicas de influência. Técnicas, senhores, técnicas. Para o que são usadas, isso é outro curso...

PS.: expliquei-me bem? Eu pertencia à tribo dos formandos, nesta formação. Mas já dei aulas de várias coisas, em diversas fases da vida; não sou estranha à tão bem controlada frustração da formadora.

Hélas!

terça-feira, 23 de junho de 2009

Oferenda


Um cacho de uvas. Meia dúzia de bagos redondos, num saquinho transparente de papel celofane.

Ora batatas, mas isto tem algum jeito?!? Ficar comovida por umas tolas bolas sumarentas - ninguém diz que são doces, se calhar são piores que limão, só com cachaça, gelo e muito açucar é que marcham - num papel pindérico de loja, por muito poeticamente descrito que tenha sido?

Caramba, tenho mesmo de ir à bruxa para me assegurarem que não, o meu desconcerto é apenas mau-olhado e por meia dúzias de patacas posso ver-me livre disto.

Se ao menos fossem melancias, haveria peso na razão. Mas tintol e apenas em potência??

Hélas!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Atacadores


Fui ver na Wikipedia: cadarço é um cordão usado para prender os sapatos e ajustá-los ao pé (olha a novidade).

São compostos de um determinado número de fios longitudinais (urdume) e transversais (trama), além de possuir um acabamento chamado de ourela. Pode também servir para o ajuste do tamanho da cintura em peças de roupa como o calção, a bermuda, a sunga ou as calças de pijamas (aparte o nome estrambólico de urdume, também aqui não há nada de novo).

Cadarço também é a denominação técnica para artigos produzidos em teares planos, com inserção de trama por agulhas (ah?). Em português de Portugal, chamam-se atacadores (pois, eu não sabia... Quando vou à loja peço "aqueles atilhos para sapatos").

Fico na mesma. Porque diacho se chamam atacadores? O homem diz que é porque "atacam" o sapato, prendendo-o ao pé. Ou então, explica ele, porque se tiram do sapato e atacam-se com eles os pescoços dos outros (desde que estejam distraídos). Pois, pode ser.

Fascinam-me, estas palavras de parentalidade incógnita.

Hélas!

O porta-chaves é sempre útil?


A propósito de bolas de papel, a
Lenor disse um dia que acertamos sempre em qualquer coisa mas para acertar naquilo que se quer, e não é garantido!, tem que se levantar muitas vezes o rabo da cadeira.

Tem razão, carradas de razão. Mas o problema agrava-se, face à razão que ela tem:
  1. Ficamos com aquilo em se acertou (como na bancada da feira, em que se aponta para o urso de peluche e se ganha o porta-chaves do pinóquio) ou
  2. Levantamos o rabo da cadeira, uma, e outra, e outra vez ainda, cheios de porta-chaves que ainda dificultam mais a pontaria, para tentar mais uma vez o urso?
A minha proverbial teimosia aponta para a segunda hipótese, claro.

Mas... E se, depois de esforço insano, se ganha o urso e se verifica que não é nada do que sonhámos? Que andámos a perder tempo e vida, ambos insubstituíveis, desde o primeiro pinóquio?

Sim, devemos perseguir o sonho incerto ou regozijarmo-nos com a realidade certa?

Só coisas que me ralam.

Hélas!

sábado, 20 de junho de 2009

Sou uma princesa


Mais precisamente, sou a princezinha das preciosidades de perguntar o porquê das coisas.

Este epíteto inflou-me o ego e nem me interessa nada que a sua fonte seja uma irmã do coração. Não interessa nada pois é também uma pessoa inteligente (inteligentíssima aliás, para me ver assim só podia ser uma cabeça de respeito), nada mariquinhas (tenho as costas cheias de nódoas negras, tanto me zurziu nos últimos tempos e nem me deu uma pomada calmante, a bruta) e experiente (está reformada e toda contentinha com o tempo livre para as suas muitas outras ocupações, já me viram esta rapariga?...)

Que querem?!? Senti-me lisonjeada e não sou (alguém é, realmente?...) totalmente imune á lisonja.

Reparem:

  1. na importância: não sou uma, sou a;
  2. no carinho: não sou princesa, sou princezinha;
  3. no respeito: são preciosidades, não trivialidades;
  4. na proximidade: é perguntar, não explicar;
  5. na relevância: não são as coisas, são os seus porquês.
O meu vizinho do cimo das escadas nem tosse, tal é a inveja. Bem feita; da próxima vez que vier cá abaixo gozar comigo, obrigo-o a ajoelhar primeiro - afinal, não é todos os dias que se está em presença da monarquia.

Hélas!

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Desinfeliz


A propósito de uma coisa que agora não interessa nada, achei que fazia sentido re-editar aqui um artigo da defunta Folha de Couve.

É perfeitamente legítimo ainda que repetitivo, porque a dita Folha me deixou em testamento todos os seus bens (os que não eram dela foram a enterrar também, para lhe fazer companhia):

Porque é que "desinfeliz" se refere a uma pessoa que não é feliz?
Des-in-feliz. A negação de uma negação não devia ser a afirmação?

Só coisas que me ralam.


Vêem? As minhas ralações são antigas, veneráveis e reincidentes. Até já aqui fiz referência a este assunto.
Ora batatas, pareço gaga a repetir-me desta maneira.

Não voltarei a dizer o que já disse, antes de se passarem 10 anos.
(isto é um bocado estúpido...)
Não voltarei a dizer o que já disse, antes de se passarem 10 anos.
(principalmente quando se pensa na própria frase...)
Não voltarei a dizer o que já disse, antes de se passarem 10 anos.
(um contra-senso completo...)
Não voltarei a dizer o que já disse, antes de se passarem 10 anos.
(estás a repetir que não te vais repetir...)
Não voltarei a dizer o que já disse, antes de se passarem 10 anos.
(Vou lá para cima que isto aqui já deu o que tinha a dar)
Não voltarei a dizer o que já disse, antes de se passarem 10 anos.
(Arre!)

Hélas!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Charlot electrocutado


Do alto das minhas muitas primaveras, costumo dizer que actualmente há muito pouca coisa que me choque. É verdade: há muitas coisas que continuam a entristecer-me mas ficar chocada é cada vez mais raro.

Hoje fiquei chocada: numa sala cheia de gente nova, semi-nova e já entrados na terceira fase como eu, veio uma jovem pedir voluntários para ir à praia. Como é óbvio, não se tratava de saber quem gosta de mar; tratava-se de haver uma necessidade numérica de pessoas adultas e responsáveis que levassem à praia quem não pode lá ir sozinho.

Não me chocou que ninguém quisesse, é natural. O que me chocou foi a rapariga ter sido - não muito discretamente - gozada. Brincadeiras(?...), ditos cómicos e risadinhas. É assim tão cómico, pedir ajuda para ajudar pessoas desfavorecidas pelas Sortes?

Suponho que devia sentir-me contente: nem sempre se consegue voltar a sentir estas emoções da juventude, não é?

Hélas!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Adamastor


Passou-me subitamente uma coisa pelos olhos. Uma descoberta, um retrato da nossa natureza.

Vejam bem: uma pessoa gasta montes de energia - na forma eléctrica, claro, mas não só; há também gasto de outras coisas, água, sabão, esforço, tempo, etc - uma pegada ecológica enorme para pegar num bocado de carne e moer. A idéia é pegar naquela coisa una para ela passar a ser muitas, aos bocados, partidas, estilhaçadas, esmigalhadas. Moídas, enfim.

Mas depois - e foi aqui que o carro de trás me ia batendo, com grande alarido sonoro e gestos enraivecidos no espelho retrovisor - juntamos os pedaços obtidos, compactamos, desfazemos o melhor que conseguimos aquilo que acabámos de fazer e servimos com um sorriso as coisas mais estranhas: hamburger, bife raspado (!!), rolo de carne fingido (!!!!), etc.

Qualquer dia tenho um acidente de viação sério, isto é só coisas que me ralam.

Hélas!

terça-feira, 16 de junho de 2009

Amigos


Aqui há muitos, muitos anos, eu era cegueta como sempre fui - mas na altura não tinha carta de condução e portanto não usava óculos ou lentes de contacto. Era alegremente cegueta a pé pelos passeios, não corria o risco de atropelar alguém... Engano meu.

Um dia passei por alguém a quem não vi - e como não vi, não lhe falei. Ela tomou aquilo por desprezo. E o desprezo, sabe-se lá como, estendeu-se à família. Uns dias depois, no cinema, vi a filha. Falei-lhe mas ela não me respondeu, olhou em frente de olhar fixo. Eu não percebi - de vez em quando sou tão estúpida como um calhau redondo. Semi-estranhei mas o filme estava a começar, ela nem devia ter ouvido, era uma miúda bem porreira. Esqueci a coisa.

Dois dias depois, não dava para enganar: frente a frente, eu disse com um sorriso: "Olá!" E a filha, sem desviar os olhos mas desviando o passo, népias. Um sepulcro. Nem bom dia nem boa tarde, nem olha, pá, vai à merda.

Fiquei espantada. Valeu-nos uma amiga comum a quem contei o caso, confundida: ela era uma miúda porreira, eu sabia que era, porque raio teria feito tal cena surrealista??? A amiga explicou.

Eu fui falar com a mãe, explicar a minha falta de visão e assegurar que não tinha sido propositado. Pedi compreensão para a deficiência e eles deram-ma: no dia seguinte, toda a família me cumprimentou com sorrisos e eu sorri de volta... Foi bom.

Hoje, velhota a rememorar lembranças, deu-me para questionar. Não ela (que se ofendeu por um pretenso insulto mas esqueceu tudo quando percebeu que o insulto não tinha existido), nem a família dela (a quem ninguém tinha ofendido mas que cerraram fileiras solidárias - eu não concordo com esta actuação mas percebo perfeitamente), mas a amiga comum. A que me esclareceu e permitiu resolver a coisa.

Ora batatas, então não me podia ter chamado de lado e dado uma desanda?!? Perguntado porque raio eu andava eu a ofender assim os amigos?

Não percebo nada de gente, está visto. É que também ela era uma miúda porreira, essa amiga. Estou certa que não me chamou de lado porque não me quis chatear e não percebo isso - sendo minha amiga, não me devia inquirir quando me via a fazer asneira?!? Os indiferentes são às montanhas, ninguém precisa de mais.

Isto chateia-me para caraças - sou cegueta de outros olhos e nem sequer sei onde é o oculista.


Hélas!

domingo, 14 de junho de 2009

Portadores de diferença visual


Vulgarmente chamados "cegos" - eu sou uma pessoa muito, muito vulgar. Além disso, detesto eufemismos, principalmente estes que querem fazer de conta que um cego não é cego e um coxo não é coxo. Como se chamar goiaba a uma cebola lhe retirasse as propriedades irritantes para os olhos e anulasse a sua contribuição ao refogado. Parvajolas.

Bem, voltemos aos cegos:

Um foi atropelado por uma vaca. Ficou com uma costela partida; nem o cão-guia lhe valeu, isto de passear tranquilamente no campo é perigoso.

Outro foi preso por infracções de trânsito; foram-no buscar a casa porque o tipo nunca guiou na vida (ficou cego em criança). Viver na cidade, com tanta informática também é perigoso. Ou pelo menos incomodativo.

Foi em terras de sua Magestade, sabe-se lá que mais aconteceu noutras terras menos tolerantes com os media...

E eu, que sempre julguei os Monty Python uma série sarcasticamente exagerada, verifico que mais uma vez, a realidade supera a ficção.

Hélas!

sábado, 13 de junho de 2009

Humanidade III


Estive a ver um documentário sobre elefantes.

Como são apanhados. Como, depois de apanhados, são submetidos ao ensino da obediência, antes de os ensinarem a trabalhar... Nada de especialmente violento ou maldoso, apenas barulho e estímulos tácteis permanentes durante cerca de uma semana, o necessário e suficiente para lhes quebrar a vontade.

É sempre triste a perda de liberdade, triste a sujeição a quem é mais forte. Muito mais triste ainda é essa sujeição ser interior e não apenas coisas físicas que nos limitam, correntes ou grades.

Às tantas, a voz off informa-nos que durante tal ensino, alguns simplesmente morrem, outros enlouquecem. Os que resistem estão aptos a aprender a trabalhar.

Os elefantes são parecidos connosco, acho eu. Aliás e relembrando uma outra reportagem sobre ursos (também morrem, enlouquecem ou sujeitam-se durante o treino) chego à conclusão que temos realmente muitas parecenças com os nossos primos mamíferos, mesmo sem ter pelo ou cauda.

A maior diferença de todas é mesmo a capacidade de escravizar outrém. E por muito de me doa, é graças a ela que estamos onde estamos; além de matar e escravizar, curamos o cancro e temos centros de acolhimento de animais moribundos.

Ora batatas.

Hélas!

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Palavras leva-as o vento


Passas pela vida como um rafeiro sem dono
Desconhecido e ignorado pelos teus pares
Matas a esperança nas noites sem sono
O mesmo náufrago em não sei quantos mares.

Doi-te a alma em que não acreditas
Tens sede de água com sabor e cheiro
Afogas-te nas mesmas pragas malditas
Com que se apaga o sol no aguaceiro.

Agonias e vomitas na solidão
Sem nunca sequer estares sózinho
Choras, ganes que nem um cão
A quem a trela ficou no caminho.

Perdeu-se a bússula e o Norte
Ficou a vaga idéia de um destino
Andas aos tombos e à Sorte
Perseguindo a sombra de um Ninho


Hélas!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Contentamentos


Acordei hoje normalmente com o despertador, às 6:50.

Olhei com os olhos remelosos o display do relógio da mesa de cabeceira e de repente lembrei-me - hoje é feriado! Virei-me para o outro lado e voltei a dormir.

Há contentamentos tão simples... Gostava de ser assim simples no resto do dia.

Hélas!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

A tranquilidade do rio sonolento


Quantas vezes a mente fraqueja, subjugada por qualquer coisa que, uns anos depois, até é risível?

No passado, os anos encolhem. Os acontecimentos condensam-se em factos e somos perfeitamente capazes de perceber o fenómeno causa-efeito... Mas continuamos tão cegos relativamente á causa da causa como sempre.
Infelizmente, não percebemos isto e pensamos que está tudo percebido, não vemos que a causa tem, ela própria, uma causa que não vemos. E fraquejamos quando a causa aparece novamente, não reconhecemos a repetição.

Pelo contrário, no futuro, os anos alongam-se. Parece-nos que há tempo para tudo, inclusivamente para corrigir os nossos erros. Puro engano, o tempo passa imperturbável ao seu próprio ritmo e quando reparamos a oportunidade passou, como a Primavera. Virão outras, claro, mas diferentes. Nunca, mesmo nunca, se terá a mesma oportunidade.
Infelizmente, temos uma obscura e deturpada consciência deste destino e não percebemos inteiramente que amanhã é realmente outro dia, nunca mais teremos o mesmo dia e a mesma situação.

Dito isto, meus caros, só me resta dizer-vos outra coisa: gostaria de perceber a causa da causa, pois acho que me traria tranquilidade. Gostaria de, tal como sou racionalmente capaz de perceber o fenómeno, ser também capaz de o digerir, apreender, interiorizar e viver em conformidade.

Mas não sou.

Hélas!

Plágio


Amor é fogo que arde sem se ver;
(...)

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?


O que está nas reticências é treta para rimar; o que não está infelizmente não fui eu que escrevi mas saiu-me da boca.

Rais parta a natureza humana.

Hélas!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

O centenário


Estava a ouvir o centenário, de quem não gosto há anos e anos, aquele que tem montanhas de etiquetas catalogando-o na minha despensa como um fazedor de Xanax, um parvalhão arrogante e com a mania que é mais inteligente, potente, culto, ágil, cosmopolita, viajado, arguto, etc., etc., etc. e de repente o velhadas estraga tudo e diz uma coisa que não só é sensata como verdadeira e não peca por presunção. Mais ou menos isto:

- Já não tenho amigos, nem mais novos nem mais velhos, foram-se. Isso deixa uma grande melancolia... Gostaria de ser lembrado com essa melancolia.

Ora batatas, lá terei de colar um post-it sorridente naquela caixa forrada a caras feias. Já não bastava o resto, agora o estupor do homem ainda por cima me desarruma a estética.

Hélas!

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A teoria do caos e a magia


Gosto imenso da Teoria do Caos. Adoro a história da borboleta que bate as asas na China, provocando um furacão na Europa.

Dá uma tranquilizante sensação de causa-efeito, como se o mundo fizesse sentido mesmo que sejamos tão limitados que não o podemos apreender. Eu até utilizo a palavra acaso, que quer apenas dizer "Não percebo como batatas é que tal coisa aconteceu". Fica subentendido que se eu não fosse tão lerdinha até poderia perceber - é reconfortante...

Deve ser por isso que não sou supersticiosa: a superstição, como a magia, querem apenas escapar ao inevitável.

Hélas!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Dissonâncias


Quanto eu me sentir feliz, haverá algo ou alguma coisa que virá lembrar-me do que não me corre bem. Se por um inapropriado e extemporâneo alinhamento dos astros tudo, mesmo tudo, me estiver a correr bem pessoalmente na altura, algo me vai lembrar das criancinhas do Biafra ou qualquer coisa mais contemporânea mas igualmente horrorosa.

Se ao menos eu tivesse vocação para mártir! Mas não, prezo demasiado o meu conforto e bem-estar. Essa fuga está-me vedada.

Se eu fosse um génio, uma gaja capaz de inventar um milagre como o micro-crédito... Mas não, sou demasiado cumpridora das regras existentes para desafiar assim todo um sistema, não consigo sair o suficiente para fora da caixa.

Se eu fosse revolucionária, matava a ferro e fogo o que estivesse mal, ficávamos só com as coisas boas, seria tão bom! Mas não, o meu espírito está completamente infectado do vírus mais-vale-consertar-que-destruir, indissociável do já-viste-bem-pelo-outro-lado?, nem tem cura já, isto é uma chatice.

E se eu fosse supersticiosa? Isso era bestial, ia ali à bruxa da esquina, a mulher só prediz futuros radiosos (acho que os búzios dela estão viciados mas ela diz que não), era porreta. Mas eu acho que um gato preto é um gato que mia como os outros, uma escada é uma coisa prática que serve para subir e descer e um espelho é um rio sólido e sem azar quando chove; não me parece que consiga.

E se eu fosse simplesmente má? Borrifava-me para tudo e todos, só queria saber do que me trouxesse satisfação pessoal... Acho que era o mais prático mas depois o vizinho do cimo das escadas não me deixava dormir. E eu não me aguento sem dormir.

Não há remédio, parece. Ora batatas, acho que só me resta processar os meus pais, por perdas e danos causados por uma genética deficiente.

Hélas!