segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Atropelamento sem fuga

Atropelaram-me e nem fugiram, continuaram impávidos e serenos como uma consciência limpa.

Passaram por cima de mim com a mesma tranquilidade com que atravessam a vida, a mesma segurança, a mesma indiferença; acho que nem nunca me viram inteira, quanto mais partida; eu era apenas uma possibilidade de sombra na sua estrada larga e sorridente.

Como sempre, estava escuro e quase ninguém viu o atropelo. Mas houve gente que viu, porque me perguntaram se eu estava bem e se podiam ajudar. Para ser franca, eu não sei se estou bem ou não; mais uma vez, estranhamente, não percebo bem se me apetece rir, brigar, chorar ou esquecer.

Rais partam esta minha natureza, permanentemente desconfiada de mim própria e das minhas certezas. Acho que se nunca ninguém tivesse visto nenhum atropelo, hoje estaria a questionar-me se de facto tinha sido atropelada ou se pelo contrário tinha nascido e vivido sempre assim toda desconjuntada e apenas nunca tinha dado por isso antes.

Batatas. Bom Deus, obrigada pela existência de gente que vê, não tem medo de dizer que viu e que pergunta se pode ajudar.

Hélas!

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