quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Prateleiras


Sabem o que é mau, mesmo mau, uma coisa com que não me consigo reconciliar por mais que viva? É a falta de prateleiras.

Que diabo, uma pessoa com a compulsão incontornável de analisar, espremer até quase só ficar o conduto, catalogar e arrumar à espera de mais informação - sempre à espera de mais informação - devia ter prateleiras suficientes para tanta espera.

Adicionem a este vício o facto indiscutível de não ser capaz de deitar nada fora (mesmo que esse nada aguarde há 20 anos a informação suplementar que lhe permita mudar de prateleira - atenção! MUDAR de prateleira, apenas mudar! Só um tipo diferente de mim pode conceber que aquele precioso conduto, tão único, deixe de ocupar uma prateleira...) e podem perceber o meu problema.

Que chatice! Lá terei de fazer prateleiras no tecto e sorrir amarelamente a quem me goza por esta lixeirafobia.

Só coisas que me ralam.

Hélas!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Loucuras II


aqui o disse uma vez: o riso salva do desespero quem ri... O que é muito melhor e mais construtivo que um tipo se afundar na aflição de não conseguir dar a volta a determinada situação.

Não se sabe bem como resolver uma crise? Ora bem, o melhor caminho é rir destemperadamente do ridículo que é sabermos perfeitamente o que resolveria a situação - quiçá outras mais, um bónus; se calhar até evitava a crise, um desperdício na opinião de muitos: se se previnem os problemas não fica à vista a nossa habilidade de problem solver - e sermos absolutamente incapazes de o fazer.

Porque fazer o que é possível não resolve a questão, apenas a disfarça com medidas paliativas para AQUELA crise; e não estamos realmente dispostos a pagar um preço tão alto, cilindrar gente inocente mas apanhada na voragem, por cuidados apenas paliativos.

Há quem fique feliz por poder administrar estes paliativos; eu cá rio-me. É igualmente ineficaz para a questão e muito menos eficaz para a imagem que todos vendemos ao mundo; mas muito mais satisfatória para o meu feitio.

Quero lá saber se se riem de mim enquanto me rio destemperadamente: riso por riso, é o meu que me agita a barriga. O dos outros... Bem, é sempre bom trazer alegria ao mundo.

Hélas!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Aspirina


Preciso de verdade e de aspirina. [Álvaro de Campos]

Este tipo era um idiota masoquista mas eu identifico-me com ele.

Ora digam lá a que propósito uma pessoa normal vai em busca da verdade (armada com aspirina, claro, que toda a gente sabe que a verdade dói. Masoquistas sim, idiotas também mas estúpidos é que não) quando podia ficar tão quietinho e confortável, no doce colchão do engano? É que basta fechar os olhos!

Acho que isto é doença, só pode ser. É como aquelas comichões que a gente sabe perfeitamente que não deve coçar para a pele não ficar ainda mais dorida e frágil e mesmo assim, coçamos até a dor substituir a comichão. Aí, dizemos "Ohhh..." e pomos um creme calmante.

Arre! Que ainda agrafo os olhos e pronto, está o problema resolvido de vez. O colchão é tão bom...


Hélas!

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Velhice


Dizem que a velhice traz sabedoria e sensatez; sobre isso, ainda não formei opinião, se calhar ainda tenho de envelhecer mais um bocadinho.

Sobre o resto, o que noto é que cada vez sou mais lenta a mudar (a evoluir? A involuir?): aqui há uns anitos, quando relia pensamentos mais velhos que 6 meses, descritos pela minha própria mão, às vezes até ficava boquiaberta: como diabo eu tinha pensado/dito/escrito tal insensatez?!?

Hoje, releio escritos com mais de um ano e revejo-me. Concordo comigo própria. Pode lá ser?! Que andei eu a fazer tantos dias, cada um com tantas horas, se ao fim de um ano nem me movi uns centímetros?

Só coisas que me ralam.

Hélas!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O cego e o zarolho


Para quem não conhece a história, cá vai na versão rápida:

Estes dois apanharam um barco para a outra margem; por força da realidade, o cego ia remando, ao passo que o zarolho dava as indicações:

- Mais para a esquerda... Agora em frente...

Às tantas o cego dá uma remada em falso e acerta no olho bom do zarolho, que exclama:

- Arre, já está!

O cego, pensando que tinham chegado ao fim da jornada, apeou-se do barco e morreu afogado.
...
Às vezes, fico a pensar se o cego fez de propósito e foi a justiça poética das coisas que o tramou.

Hélas!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Há malta alegre...


O vizinho assobiou a avisar da sua presença, o que me deixou logo desconfiada - normalmente só dou por ele quando se ri alarvemente das minhas ralações.

- Podemos falar? - Disse ele, com ar simpático. O malandro sabe muito bem que nunca na minha vida me neguei a falar com quer quer que seja, em que situação for. Está careca de saber que penso que são as palavras a salvação da Humanidade mas só se houver quem oiça.

- Que queres?
- Quero saber se é verdade. Ouvi dizer que que andas para aí a arengar às massas que o Homem é um ser racional e intrínsecamente bom...
- É verdade. O Homem é assim. - Estou segura de mim própria, muito calma.
- Palavra? Mas então porque diabo anda esse tipo a matar-se a si próprio e a estrafegar as suas crianças com requintes de crueldade, há milhares de anos?!?

E esgueirou-se escada acima, a gargalhar desalmadamente. Há malta muito alegre. E são rápidos, a jarra que lhe atirei falhou por um triz.

Hélas!

domingo, 19 de outubro de 2008

Tecnologia


Nunca hei-de perceber a embirração ou a desconfiança pela tecnologia.

Tecnologia é o pau na mão do macaco, é a pedra na barriga da lontra, são os arranha-céus das térmites - cada um tem aquela que a sua capacidade de obrigar a natureza a servi-lo consegue.

Porque é que em vez de se zangarem com a tecnologia não se zangam com o espírito que usa a tecnologia para fins criticáveis? Bolas, não são as pistolas que matam pessoas, são as pessoas com pistolas que matam pessoas! E agora dizem-me que a culpa é das pistolas?!? Que bom, que fácil! Proibam-se as pistolas e acabam-se os homicídios...

Já pensaram que antes de haver pistolas se calhar matava-se mais facilmente e com menos consequências?... É que as pistolas não vieram sózinhas, com elas vieram também outras coisas, aquelas que hoje nos permitem saber que foram mortos os mortos, como foram mortos os mortos, bradar publicamente contra as pistolas que mataram os mortos. E nunca é possível obter uma coisa sem a outra.

Que diabo, acho que é mais do que tempo do Homem reclamar a sua responsabilidade, em vez de se esconder atrás dos meios.

Hélas!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O porteiro II


Como já se aperceberam ou não, dia 11 é dia de rimas cá no quintal.

O dia não tem nada a ver com nada - a tradição nasceu porque foi num dia 11 que pela primeira vez na minha já comprida vida submeti ao escrutínio público (ahahahah, o tipo mais bem escondido é apenas um ramo na densa floresta... O pior é que há quem se esteja a borrifar para a floresta mas conheça perfeitamente o ramo - incongruências do sec XXI, ora bolas...) a minha veia poética.

Desculpem lá, mas ser porteiro é tramado. Pior que ser porteiro só mesmo ser porteiro na própria porta: posso lá agora barrar a entrada a mim própria, mesmo que me apresente rota e lastimável?... Não, o melhor que posso fazer é rosnar "vá lá, desta vez passa, vê lá se da próxima pelo menos vestes roupa lavada..." e dar uma palmadinha semi-carinhosa nas minhas próprias costas.

Oiço um riso escarninho, vindo do andar de cima - o meu inquilino do primeiro andar diverte-se.

Hélas!

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Manias


Se há coisa que me irrite em mim própria é a esta mania da análise => síntese => classificação. O impulso irresistível de por tudo em montinhos muito arrumadinhos, com uma etiqueta bem legível por cima: como se o mundo coubesse em etiquetas.

A este traço junta-se um estranho perfeccionismo: nem sonho ser realmente boa em tudo, limito-me a não fazer nada daquilo em que teria vergonha de assinar o meu nome por baixo - um ror imenso de coisas divertidas mas que me estão vedadas por ordem solene de mim própria, que é a mais alta autoridade que reconheço.

Juntem as duas coisas e verão o triste resultado: não tenho nada arrumado porque sei que o rosa velho não tem lugar no montinho do rosa barbie; e embora tenha uma etiqueta que diz suncintamente "ROSA", não há nada por baixo. Sabem, não tenho etiquetas suficientes para todos os tons de rosa que distingo diferentes e não há nenhum deles que não tenha um certo tom...

Suponho que o melhor é comprar uns óculos com lentes cor de laranja, talvez consiga arrumar algum montinho debaixo daquela etiqueta que diz "ESQUISITO".

Só coisas que me ralam.

Hélas!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Vencida mas não convencida


Conversar e discutir têm uma série de diferenças interessantes, já
aqui o disse uma vez. Acrescento agora outra coisa: conversar e discutir são tão diferentes como beber uma aguinha na mesa do café para matar a sede ou para entreter o descanso das pernas: uma é essencial á vida, a outra é apenas um agradável intervalo no que quer que a gente esteja a fazer.

Conversar é uma espécie de trânsito numa junção entre ruas: ora passas tu, ora passo eu, vamos contando à vez o caso que nos acode á mente e, qual ribeira indolente, traçam-se novos rumos e conhecem-se outras ervas mas tudo com a maior urbanidade - ora é a tua vez ora é a minha, ora é a daquele. É sempre uma via de sentido único - um conta e os outros ouvem.

Discutir é outra loiça. Levantam-se convicções, são desafiados credos e opções de vida, raríssimas vezes (que giro, isto é mesmo uma boa definição de discussão, acho eu...) há uma total consciência do que está em causa e que é simplesmente o facto de estarmos a desafiar mutuamente alicerces de personalidade.

Numa discussão apresentam-se argumentos que, com maior ou menor arte do discutidor, explicam e justificam a sua posição face à questão (claro que há uma questão, dahhh!) mas o que é realmente engraçado é que raramente os que discutem estão capazes de analisar fria e racionalmente os argumentos apresentados... Não, estamos normalmente demasiado ocupados a estruturar a defesa (defesa de que ataque?!? Não há ataque, há a introdução de novos dados, numa questão que para nós estava "arrumada" e agora, mas que chatice, pode estar novamente desarrumada...).

Já uma vez fui totalmente encostada á parede, numa discussão com um tipo impecavelmente calmo, gentil e racional: não mudei de opinião, claro, mas aprendi o verdadeiro significado da famosa frase "vencida mas não convencida": quer dizer que a nossa opção não tem bases racionais, estas foram construídas depois, como suporte.

Aprende-se sempre qualquer coisa, numa discussão, mesmo que seja sobre nós próprios.

Hélas!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Riso


Analisem bem e verão se não é verdade: de cada vez que um Homem se ri, é à custa de alguém (ou vá lá, à falta de melhor, de um animal considerado superior, ou seja, pelo menos mamífero como nós...)*.

O riso, aparente expressão de felicidade, na verdade não tem lugar quando esta está presente.

Só nos rimos do sofrimento, físico, sentimental, moral ou racional, e é claro que tenho uma teoria sobre isso (sabem de alguma coisa sobre a qual eu não tenha uma teoria? Digam, digam, que eu vos digo...): instintivamente sabemos que é melhor rir que chorar.

Já repararam? Quem chora encolhe-se, enrola-se, tende a adoptar a posição fetal; a páginas tantas os olhos já só vêem o próprio umbigo - e ainda chora mais, claro. Uma reacção natural pois tudo procura a sua perpetuação, como é sabido.

Mas quem ri espicha a cara para fora e vê os outros e o Universo: além de ter ainda mais motivos para rir (tudo procura a sua perpetuação, como é sabido) alarga os horizontes e amplia o seu mundo. Isso os chorosos não conseguem ao contemplar o seu umbigo; e mesmo as lágrimas de auto-comiseração se extinguem se não forem alimentadas com alimento fresco.

*A idéia de que o riso é sempre à custa de alguém não é original, embora a minha ignorância não me permita apontar o autor.,, Mas posso sempre citar Lautréamont: “Ride, mas chorai ao mesmo tempo. Se não puderdes chorar pelos olhos, chorai pela boca ou por qualquer outro lado. Sejam lágrimas, seja mijo, seja sangue, tanto faz. Mas advirto que um líquido qualquer é aqui indispensável”.

Hélas!

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Tareia


Zurziram-me, zurziram-me e zurziram-me. Uma tareia.

Porque ando chocha.
Porque parece que ando a escrever para a Maria.
Porque não há pachorra para a actual mariquice dos meus artigos.
Porque quem me lê julga que tenho uma doença terminal (e quem me vê diz que vendo saúde!).
Porque não há paciência para quem perorou alto e de caixote coisas e loisas, berrou maldições a quem cala, criticou quem choraminga, zurziu quem esconde e afinal, agora... Amarica em público com saudades da praia.

Bolas, nem sei se hei-de estar agradecida por quem me exige mais se tristíssima por não compreenderem que há alturas em que simplesmente não tenho ânimo.

Sim, também sei que as amizades verdadeiras e desassombradas têm muitas vezes esta minha reacção como resposta. É que quem me zurziu tem razão, sabem?... O que nos apetece nem sempre é o que devemos fazer; muitas vezes é o que não devemos fazer.

Só coisas que me ralam.

Hélas!

domingo, 12 de outubro de 2008

Praia


Sinto saudades do mar.

O marulhar das ondas, sempre igual e sempre diferente, a teimosa superfície até ao horizonte, a enérgica vida por baixo, protegida de olhares casuais, tudo isso me falta.

Sinto saudades da areia da praia.

A aparente suavidade mascarando a firmeza de rocha, a flexibilidade resistente, a teimosia lenta com que regressa à forma original, tudo isso me falta.

Não, não são saudades da infância, tão pouco saudades das férias, podem crer. São mesmo saudades da praia, saudades da tranquilidade que me traz, saudades do equilíbrio que me provoca, saudades da paz que lá sinto...

Hélas!

sábado, 11 de outubro de 2008

Mundos

Por vezes sinto-me estranha
caída da realidade
Onde não há esta manha
E é outra mentalidade.

Donde venho é diferente:
Mente-se de outra forma.
Talvez só mais lentamente
Ou apenas noutra norma.

Às vezes todo este mundo
Me é estranho, bem alheio,
Como um buraco sem fundo
Ou um bicho muito feio.

Por vezes toda esta gente
Me doi no fundo de mim.
Donde venho é diferente;
As coisas não são assim.

As cores que estão no mural
São mais baças, talvez.
O brilho não é igual
E não muda mês a mês.

Doi-me a alma devagar.
Não sei onde estou nem vou.
Só sei que parar e chorar
Nem lá nem cá é quem sou.

É mais de mim avançar.
Mesmo cambaleante,
Meio cega, a tropeçar,
É sempre marcha avante.

Se o abismo lá estiver,
À frente, inesperado,
Não há problema sequer,
Caio apenas noutro lado...


Hélas!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

S. Teotónio II


S. Teotónio, padroeiro dos mal-agradecidos, apareceu-me em sonhos acordados e disse-me:

- Ó rapariga, tu tem dó de mim, que eu sou só um e vocês são mais que muitos! Olha bem para o que tens e dá-me uma folga!

Coitado! Fiquei envergonhada e dei-lhe umas férias, sei lá, de umas horitas. Ele é santo, deve chegar e sobrar - afinal o trabalho dele é acudir-me, não é?!?

Hélas!

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O Bem e o Mal

Disseram-me há tempos que mesmo as acções supostamente altruístas são na verdade egoístas: fazem-se porque o mal estar que provocam é inferior ao mal estar que a não-acção traria: o homem nem se conseguiria ver ao espelho para fazer a barba se não se atirasse ao fogo para salvar a criança e a madre Teresa só foi para Calcutá para poder dormir descansada á noite.

Deste ponto de vista, tudo o que se faz é egoísta: faz-se porque não o fazer traria um desconforto maior que fazer. Quando não se faz qualquer coisa que nos até beneficia é porque não o fazer é mais confortável do que fazer.

O argumento não é estúpido, longe disso. É possivelmente verdadeiro: ser uma boa ou má pessoa pode ser apenas uma maneira de classificar as fronteiras de bem ou mal estar que nos impelem a fazer "isto" em vez de "aquilo". Sim, o argumento pode bem retratar a realidade.

Agora: qual a importância disto no conceito geral de Bem e Mal?...

Se não tiver - o Bem é bom e o Mal é mau independentemente da razão pela qual foi escolhido (nesta suposição é sempre a mesma: a acção que traz menor desconforto a quem a pratica) - a moral não passa de uma simples estratégia de sobrevivência individual. A mesmíssima razão que leva a um ratito a virar-se ao gato que o quer comer, apenas se eriça e bufa quando o felino lhe caça a cria e nem isso faz quando a cria é alheia. Não teria nada de Humano.

Sem conseguir - ainda! - analisar concreta e racionalmente porquê, acho que isso está errado; e além de estar errado, é Mau.

Obviamente, também acho que o argumento é falacioso pois esse tipo de egoísmo não é mais que meter no mesmo saco laranjas e limões, com a justificação de que "é tudo fruta!".

Mas que é que vocês querem, chateia-me não conseguir, por análise fria, separar as laranjas dos limões. Independentemente de gostar mais de laranjada ou de limonada, devia ser capaz de os separar antes de provar o sumo.

Hélas!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Beleza


A Beleza está nos olhos de quem a vê; toda a gente sabe isso, é um lugar comum. O que às vezes passa despercebido nesta frase tão simples e verdadeira é que, além de quem vê, também tem de existir alguma coisa para ser vista.

Ora, pois! Julgavam que era assim tão fácil?!?

Hélas!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Estrelas

As estrela são pequeninas mas brilham alegremente.

Sim, no céu imenso são mesmo pequeninas e brilhantes; é preciso tempo e estudos para apontar uma em particular e dizer: - Aquela é Sirius!

E isso que interessa?!? Qualquer criança inocente olha o céu nocturno e ri-se de pura alegria: - É tão lindo!

Não diminui a beleza e a alegria, o facto de nem saber que uma delas, mais precisamente aquela, é Sirius. Sirius? Que é que é Sirius?

Às vezes e sem razão aparente, penso que se sobrevaloriza o Saber. Depois caio em mim, olho para a ignorância crua e o que ela traz e volto aos livros.

Só coisas que me ralam.

Hélas!

domingo, 5 de outubro de 2008

Maldade


A falta de pachorra para tolices (ou que nos parecem a nós tolices), a impaciência para com quem não nos compreende nem com explicações, a indisponibilidade para aqueles com quem não temos afinidade (mesmo quando a tivémos no passado), a insensibilidade para ouvir assuntos que nos parecem irrelevantes, bom, tudo isso são maldades.

Magoar os outros normalmente nem é intencional. A impaciência com que lhes cortamos o discurso que não nos interessa não é para os convencer que não têm nada de interessante a dizer e a falta de esforço para os compreender não tem como objectivo a sua tristeza. Pois, não é intencional mas é mau na mesma: analisem bem a coisa e verão que as raízes dessas acções moram no nosso egoísmo e na convicção de que NÓS é que sabemos, NÓS é percebemos, NÓS é que somos donos da verdade, enfim, NÓS é que importamos.

O egoísmo não é o Mal com letra grande mas é certamente um dos seus mais talentosos afilhados. Insidioso, sustentado na Natureza animal do instinto de sobrevivência, dissimulado pela ampla aceitação social, instala-se sem darmos por ele. Muito depressa, estamos a dizer convictamente:

- Se eu não tomar conta de mim, quem tomará? Eu defendo-me, os outros são crescidinhos, que se defendam a si próprios! Se eu não o fizesse era parvo pois ninguém o fará por mim!

E as pessoas à volta concordam. Na verdade, poucas pessoas nesse momento se lembram daqueles que, por uma razão ou por outra, não podem ou não querem defender-se destes pequenos atropelos e que por isso mesmo são sacrificados sem ruído. Que diabo, não se está a falar de matar alguém, não é? O problema é que não se mata ninguém mas mata-se qualquer coisinha; e de coisinha em coisinha, sem nunca o fazer drasticamente, estamos de facto a matar alguém sem dar por nada.

Ser uma expressão do Mal não é fácil, acho eu; mas ser uma expressão do mal é facílimo.

De vez em quando, apercebemo-nos que somos maus, assim, com letra pequenina. Não há nada a fazer quanto a isso, a palavra dita e a pedra atirada nunca voltam para trás; mas é sempre possível tentar ser melhor.

O que eu espero, sinceramente, é não perder nunca a capacidade de me aperceber que sim, ando a ser má com letra pequenina. Que Deus me ajude, porque se perco essa capacidade sabe-se lá onde vou parar.

Hélas!

sábado, 4 de outubro de 2008

Os paradoxos


Conhecem aquele paradoxo de Zenão, que afirma que é impossível chegar a qualquer lado? Para quem não se lembra, cá vai, tal como me recordo: imaginem uma determinada distância que é necessário percorrer. Será necessário percorrer primeiro metade dela, certo? Da metade que fica, terá de ser percorrida primeiro a sua metade; e de metade em metade, dividindo sempre ao meio a distância que resta, nunca se chega ao fim.

Eu sei que todos os dias vocês chegam onde vão; mas podem apontar o erro no raciocínio?

Se tiverem pachorra, vão à procura do Zenão: a história do corredor e da tartaruga é igualmente interessante e difícil de refutar!

Eu, que não acredito em paradoxos (assunto para outro artigo!), acho-lhes graça e à maneira como insidiosamente baralham a razão... Se ao menos fossem só os paradoxos a fazer isso!

Hélas!

Segredos II


aqui falei um dia sobre assuntos contados em segredo; na mesma altura notei que havia curiosidades periféricas, assunto para outro artigo. Bem, cá vai: imaginem que têm um segredo: faz sentido contar a alguém, com ou sem o habitual aviso "Não contes a ninguém!"?

Se de facto a coisa não é para contar a ninguém, porque diabo estamos nós a contar a alguém?!? E se nós podemos contar o segredo a uma determinada pessoa porque temos com ela uma relação especial, não dá essa acção uma licença implícita para essa pessoa contar também ás pessoas com quem tem uma relação especial?

De relação especial em relação especial, cedo o dito "segredo" pertence á praça pública. Sempre contado em surdina e protegido do direito de resposta, é livre de crescer para onde lhe der o vento de quem conta e de quem reconta.

Aconteceu-me já há muitos, muitos anos: uma confidência feita porque me doía o coração e achava que precisava de desabafar voltou a mim cerca de mês e meio depois; só vos digo que estava bem diferente daquilo que desabafei, uma versão distorcida - mas crível - de factos e gentes...

Acho que foi nesse momento que me tornei desbocada: ao menos que toda a gente saiba onde podem tirar as dúvidas em primeira mão, que toda a gente tenha o direito de me questionar em voz alta sobre o que digo, em vez do silêncio podre e fonte de sofrimento, do qual apenas me dei conta por uma amizade verdadeiramente rara.

Quanto aos segredos que volta e meia me caiem nos olhos e ouvidos, morrem lá... E Deus me perdoe mas acho que muitas vezes isso frusta as intenções de quem mos conta ou mostra. Que raio de coisa, a raça humana!

Hélas

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Ano Novo, Vida Nova


Ora bem, nem 2 semanas se passaram e esfuma-se o espírito Zen, sereno e sem mágoa...

Desta vez não há dúvida: andarei sempre à frente do meu tempo, nisto como em outras coisas: ainda nem chegámos a Dezembro e já ando a quebrar promessas de Ano Novo!

O que me vale é que todos os anos há um Ano Novo e é admissível uma nova tentativa pública; todas os meses podemos lutar connosco próprios para tentativas mais discretas e todos os dias são potencialmente dias milagrosos em que conseguimos ser aquilo que gostaríamos de ser sempre.

Hélas!

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Mau olhado

Moro ao pé de um estádio de futebol e fui hoje caridosamente prevenida por um colega solícito e que me conhece a leste desses paraísos: a maldita construção iria albergar um importante evento.

Esta tarde estariam novamente lá 22 marmanjos suados, a correr de calções mostrando as pernas peludas, atrás de uma única bola aterrorizada (pudera!) como se não houvesse mais nenhuma fêmea no mundo; tudo isto para gáudio de uns milhares de seres ansiosos, olhos esbugalhados e coração nas mãos.

Como já tive experiências semelhantes, não hesitei. Eram só 16:00 mas peguei no PC e na carteira e dei corda aos sapatos: em dias assim, quero-me em casa antes das 17:00, sem ter de conter ímpetos homicidas e sem ter de andar à bulha com desvairados de cachecol e chapéu cómico para a partilha da circulação na via pública.

Mas olhem, não há fuga ao mau olhado. Acabei por estar 20 minutos paradinha na avenida, a apreciar os ares belicosos com que uns manifestantes arrastavam os passos enquanto gritavam impropérios à respectiva ministra.

Confesso que acabei por achar engraçado, o ar pachola com que as forças da lei sorriam aos automobilistas enfurecidos por ver alternar as cores do semáforo sem que as fardas lhes saíssem da frente...

A julgar pelas buzinas e pelo ar dos condutores, acho que se não fossem as fardas os enfermeiros iriam necessitar de enfermagem.

Hélas!

Poesia

Se ao longo de séculos e séculos o pessoal se debate com o sentido da vida, mata milhares de iguais, escreve romances, tortura crianças, sua épicos, tenta genocídios, constroi sinfonias, extermina espécies, pinta sonhos, mata velhinhos, se sacrifica e se suicida...

Oh! Não me venham agora dizer que Poesia é coisa de mariquinhas. Mariquinhas são aqueles que não têm coragem de olhar para si próprios, rindo ou chorando, whatever, e mesmo assim dizer em voz alta e sentidamente algumas vezes:

- Bolas! Sou mesmo um mariquinhas!

Hélas!