domingo, 8 de junho de 2008

Queixas

Eu queixo-me. Muito.

Diz-me quem me conhece que estou sempre a queixar-me, como o Calimero.
Queixo-me do calor quando faz sol e do frio quando está de chuva. Queixo-me da vida, do inferno que são os outros e da danação que é não haver outros.

Queixo-me da falta de cabeça de quem nem as pensa e queixo-me de quem as pensa com falta de cabeça.
Queixo-me de quem decide (normalmente com uma perfeitamente evitável falta de conhecimento, mas isto já sou eu a queixar-me agora) e queixo-me de quem nada decide, com conhecimento ou sem ele.
Queixo-me de quem ama sem razão e de quem raciocina sem amor.
Queixo-me de quem não pensa no futuro e queixo-me de quem não pensa no presente. Ah! E queixo-me de quem não se lembra do passado.

Se bem percebo o que me dizem, queixo-me de tudo e de todos, da Vida, do Outro e do Existir.

Só para lhes fazer justiça, claro, vou agora queixar-me mais uma vez: acho que ninguém me percebe mesmo. Sendo quem sou, como querem que não me queixe de tudo?!? Se ninguém é como eu sou, ninguém pensa como eu penso, ninguém acha o que eu acho, ninguém vê o que eu vejo, ninguém ouve o que eu oiço?!? É que das duas, uma: ou me queixo ou me deito ao rio; como não tenho tendências suicidas, queixo-me. Muito, ao que parece.

Ah! Quem me dera não ser quem sou! Fui até ao campo com grandes propósitos / Mas lá encontrei só ervas e árvores, / E quando havia gente era igual à outra.* E como querem que não me queixe, se permanentemente e com grandes propósitos, me desloco ao campo e o que encontro são ervas e árvores? E quando há gente, afinal é igual á outra?!?

Queixo-me, é claro. Não do campo só ter árvores e ervas mas sim de ir ao campo e encontrar só ervas e árvores. Há uma diferença, nem por isso muito subtil.

Na realidade, do que me queixo é do que sou, não do que é quando eu sou. Mas isto é muito complicado de explicar (já viram o tamanho deste artigo?!?), é muito mais fácil queixar-me.

Não se percebe? Ora batatas, queixo-me eu.

Hélas!

*Tabacaria - Álvaro de Campos

11 comentários:

Marques Correia disse...

... de facto a vida é difícil, principalmente quando se olha para o rebanho humano com expectativas (sobre)elevadas.

O Fessoa Pessoa, travestido de Álvaro, ia aos campos à procura de pessoas diferentes e, parece, ficava desapontado por não as encontrar.
Estranho sítio para as procurar e ainda mais estranho o artigo que procurava.

Nietzsche (porras! tive que ir a um livro dele por causa da ortogtafia rebuscadíssima... não bastava Nitche?!) andou à volta da ideia de superhomem e até engendrou uns monólogos em que o Zaratoustra nos tentava convencer que o tal superhomem estava a chegar.

Não chegou.

A vida também é muito difícil quando valorizamos exacerbadamente a diferença (quase nada) em detrimento do que temos em comum (quase tudo).

. . . .

Mas deve ser consolador acreditarmos sinceramente que entre o Bin Laden, o austríaco que criou uma família underground ou o Hitler (tão maus) e nós outros (tão bonzinhos!) há alguma diferença essencial...

AC disse...

Olá!
Gosto do blog.
Só vi por alto mas os textos dão que pensar. Embora versando sobre outros temas, fazem-me lembrar aquelas reuniões do nosso grupo de mestrandos.
Neste momento o meu cérebro só consegue pensar no grau D mas voltarei para os apreciar devidamente.
Bjs

mac disse...

Marques Correia: Se somos basicamente iguais, então são as pequenas diferenças que interessam. É o conceito básico aprendido na escola: aquilo que não serve para diferençar uma coisa de outra é irrelevante.

O consolo (e que consolo é, eu saber que não sou igual ao Hitler!) vem por acréscimo.

Eu sei que o Álvaro pode não parecer sensato, mas é: se queres encontrar gente diferente, é mais sensato procurar num sítio diferente do sítio onde está a gente igual. Agora que o artigo que ele procura é estranho, ah! Isso é. Talvez por isso me identifico tanto com o Álvaro...

AC: Obrigada - eu também gostei do teu, tens lá coisas muito giras.
Estás a fazer o Doutoramento?
Bj

Hélas!

Fátima Santos disse...

tu perdoa-me, mas provocas-me ao ponto de nem ir já, já tomar o meu banho
e ainda mais quando tens um comentador de serviço que, se bem que possa ser em sentido totalmente diferente do que eu leio (aí está uma grande provocação do teu texto: a gente está mesmo sempre SÓ?!!!) escreve:
Mas deve ser consolador acreditarmos sinceramente que entre o Bin Laden, o austríaco que criou uma família underground ou o Hitler (tão maus) e nós outros (tão bonzinhos!) há alguma diferença essencial...

percebes onde ele quer chegar, percebes?!!!
vejo, lendo mais abaixo, que não percebeste
e sabes porquê?
tu achas-te diferente!!!
cuidaste de outros genes, de paraísos celestiais ou terrenos
de outros deuses
esqueces que somos lama e costelas
células saltitantes de uns a outros num enorme bioma
só isso
simplesmente
precisamos muita presunção para nos sermos (sentirmos!)realmente diferentes
e isso é coisa de demónio
nem na floresta, nem sei lá eu onde encontras o outro
não existe, entendes'!!!
espelhos que te irritam
só espelhos, minha rica!
beijos, melher!

Fátima Santos disse...

cuidas-te
para que cosnte

mac disse...

mcorreia: Mas eu sou diferente... E tu és diferente... De mim, do austríaco e do Hitler. Não vês? Todos somos diferentes! Temos coisas iguais sim, muitas, sim, mas essas não interessam nada pois sendo iguais não são interessantes nem relevantes, são perfeitamente descartáveis.

É aquilo que distingue que é interessante, como os grãos de areia ou flocos de neve. Se olhares para eles sem ver, vês praia e neve - que tédio... Mas se olhares para eles, verdadeiramente olhares para eles, então ah! Que riqueza! Que diversidade!

Que alegria!

Hélas!

Marques Correia disse...

"Se somos basicamente iguais, então são as pequenas diferenças que interessam", dizes tu.

Ora toma, que já almoçaste! Assunto encerrado, que permite concluir que quando as diferenças tendem para zero, a sua importância tende para infinito; logo, mesmo iguais, somos diferentes e a igualdade não interessa! Lindo!

A questão, para mim, está no valor que atribuímos aos factores de diferença e aos factores de igualdade. Essa valorização é, eminentemente, circunstancial, não é fixa, nada tem de essencial.

Se me disserem que eu e o Hitler somos iguais, eu diria qualquer coisa como: alto lá! Ele fez o que fez num processo de escolhas conscientes, primeiro no plano intelectual de seguida plano factual enquanto que eu, até agora, nunca disse as barbaridades que ele escreveu nem fiz as que ele promoveu. Sou diferente!

Mas se pretenderem que Hitler é um ser especialmente esquisito, mau ou desmesuradamente diferente e que o que ele fez "nós" nunca seríamos capazes de imaginar, sequer, eu diria: calma, mais devagar! Deixa imaginar-me nos sapatos dele e, se calhar alguma coisa do que ele fez eu talvez também tivesse feito. Imaginado teria, certamente, imaginado muito pior! Logo não somos assim de planetas tão diferentes.

. . . . .

Li não sei onde (se calhar não li...) qualquer coisa como: dá tempo a um santo e ele exibirá os seus podres; olha o diabo nos olhos e verás (pelo menos em parte...) o reflexo de ti.

mac disse...

Marques Correia: Factores de diferença vs. factores de igualdade? Mas nunca ninguém coloca em causa a humanidade de Hitler... Aliás, é por essa humanidade não ser posta em causa, por em teoria qualquer homem poder fazer o mesmo, que esse homem que o fez é maldito - se fosse uma espécie estranha ao Homem ninguém lhe chamava tal coisa, não é?

Não sei se leste ou se é original, mas a frase é lapidar; só substituiria "diabo" por "maldito", porque homem nenhum é diabo. Como vês, nisto estou de acordo contigo - mas continuo a importar-me com as diferenças, pois a humanidade (as semelhanças) estão sempre implícitas.

Hélas!

AC disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
AC disse...

Sim. Estou com esperanças de levar este parto a bom fim.
Bjs

mac disse...

AC: Ora, então eu não te conheço?? Tenho a certeza que aportas a bom porto!

Hélas!