segunda-feira, 28 de abril de 2008

Medos

Todos temos os nossos medos. Medo de morrer, de ficar incapacitado, de ficar dependente; Medo de ficar sozinho na vida, medo de incêndios, de agulhas, de hospitais... Cada um tem o(s) seu(s). Há graus: uma pessoa que tenha os dois, por exemplo, tem certamente mais medo de ficar tetraplégico do que fazer figuras tristes em público. Isto são medos concretos.

Noutra categoria, vêm os medos abstractos: Tem-se medo de não se ser apreciado, de se ser um chato, tem-se medo de não se ser capaz de alguma coisa. Esta categoria é muito mais interessante porque é insidiosa e afecta comportamentos gerais, está sempre presente mas de forma disfarçada, transforma pequenos nadas em questões fundamentais quando desconfia que se trata de um sintoma...

Nesta categoria, eu tenho medo de ter a certeza.

Mesmo do que vi. Ou do que vivi. Desconfio da minha percepção - será que vi bem, será que vi tudo? Será que me apercebi da perspectiva? Terei a consciência correcta do que os outros percepcionaram?

O problema maior é que também não posso viver sem certezas, não consigo.

Podem ser temporárias, mas são certezas. Minto - algumas não podem ser temporárias.

Só coisas que me ralam.

Hélas!

8 comentários:

Marques Correia disse...

O que p'r'aí vai, menina!
Se separarmos muito bem o plano do dia a dia, do terra a terra, do plano das "filosofias" (à falta de melhor palavra...) tudo se simplifica.
No plano do dia a dia, as certezas terra a terra abundam: sim é sim, não é não, o sol amanhã voltará a nascer para se por ao fim da tarde, os amigos são para as ocasiões e os inimigos também.
Quando nos fartarmos do terra a terra, poderemos sempre questionar-nos se o nosso amigo nos olha os defeitos (quais defeitos?!) com ar irónico quando, se calhar, está a sorrir-nos com candura; podemos até duvidar da nossa capacidade para explicar o funcionamento da net à nossa avó paterna (enfim, depende da idade do artista).
.....
Conviria sempre não duvidar da capacidade de um autocarro nos passar a ferro se atravessarmos a rua com a cabeça cheia das preocupações existenciais que referes.
E pronto! Isto é o que se me oferece adubar entre duas sessões da auditoria, bem real, em curso.

mac disse...

Marques Correia: Ora pois, é isso precisamente. Na categoria concreta (para ti, terra-a-terra) além dos medos concretos (um autocarro, pois nem pensei nisso, sempre tive idéia que seria um camião TIR), também existem á fartazana essas certezas concretas; certíssimo, de pleno acordo!

Na categoria não terra-a-terra (abstracta, no meu linguajar) é que a coisa se complica – é por isso que é mais interessante, acho eu – e se podemos sempre perguntar ao amigo se está a gozar connosco, muitas vezes não podemos perguntar a ninguém se estamos a ver bem o filme... Embora umas conversas filosóficas até às quinhentas ajudem a clarificar e corrigir muitas idéias.

Mas olha: independentemente das abstracções, admiro francamente quem, entre duas auditorias bem reais e de consequências facilmente mensuráveis, ainda tem capacidade para adubar uma couvita.

Hélas!

Teste hjhfdss disse...

Visto que não podemos percepcionar e compreender a realidade na sua totalidade, não podemos ter uma certeza absoluta... ou melhor, podemos ter apenas uma certeza, a certeza de que não há certezas!

mac disse...

fr3d: Pois, mas para além dessa certeza, há outras: amanhã não, mas depois de amanhã tenho de acordar com o despertador. Se não o fizer posso perder o emprego, o que significa que posso perder a casa onde durmo e a comida de que preciso para viver.
E também outras coisas, fundamentais: preciso de algo que possa suster o meu eu... As minhas opções, mesmo que estas sejam não ter certezas.
Batatas. A vida é complicada, né?!?

Anónimo disse...

Só coisas que te ralam, de facto !!
Ora como é que é possível ter medo de ter a certeza ?
Eu cá tenho é medo de não ter a certeza, ou seja da falta de certeza nestes assuntos abstractos.
Pois garanto-te que – e disso tenho bem a certeza – que quem tem certezas não tem medo de nada – mesmo se devia tê-lo.
Não tem medo de magoar, nem de estar errado, nem de dizer asneiras, pois se ele tem a certeza, não é verdade…
Só mesmo tu para dares a volta a coisa desta maneira !
Ou será que fui eu que não percebi bem ?
Vá-se lá ter a certeza, nestes assuntos abstractos!

mac disse...

Ana: Pois percebeste bem, muito bem. Mas agora pensa: porque tens a certeza, “não tens medo de magoar, nem de estar errado, nem de dizer asneiras”. E depois vens a descobrir que a tua certeza tão certa estava errada…

A palavra dita e a pedra atirada não têm volta, não há nada a fazer. E corrigir, por muito bom que pareça, é infinitamente pior que não magoar indevidamente.

Percebes agora porque tenho medo de ter a certeza?!? Depois posso levar o gajo ao hospital para lhe fazerem uns pontos, posso comprar as ligaduras e até ir lá a casa fazer o jantar; mas nunca, mesmo nunca, seja qual for o esforço, posso corrigir o mal feito, a dor sofrida, o sonho desaparecido. Nunca.

Por outras palavras: se matares o desalmado que torturou o bebé, não há mal, pois não? E depois, quando descobrires que afinal não foi ele e sim o seu irmão? Como é que corriges a mão??? Mas tinhas tanta certeza…

Eu tenho pavor das minhas certezas – obrigam-me a agir e eu não sou o JC. Sou a mac e as minhas certezas são muito perigosas. Porque são óptimas, muito cómodas para mim, mas podem não ser verdadeiras, sabes?...

Hélas!

Teste hjhfdss disse...

"Pois, mas para além dessa certeza, há outras: amanhã não, mas depois de amanhã tenho de acordar com o despertador. Se não o fizer posso perder o emprego, o que significa que posso perder a casa onde durmo e a comida de que preciso para viver."

Mesmo isso não é uma certeza, é uma possibilidade, porque imagina tu que o escritório tem uma avaria logo de manhã e o chefe decide dispensar os trabalhadores esse dia... Penso que o conceito de certeza implica 100% e não 99,9%.

mac disse...

fr3d: Sabes o conceito de hiper-realismo? Não quero entrar por aí, é um labirinto sem saída.

Se eu faltar ao emprego e nesse dia o chefe decidir dispensar os seus trabalhadores (qual será a probabilidade?...) certamente que não se refere a mim que não pus lá os pés. E ele sabe disso, e eu vou para a rua na mesma, e de forma muito justa. Eu não podia adivinhar e a minha falta continua a ser uma falta - de presença, da disponibilidade para a qual me pagam... Se for necessária. É para isso que me passam um cheque todos os meses!

Hélas!