sábado, 12 de abril de 2008

Equívocos

Nós vivíamos numa Angola um bocado degradada e sem estruturas, quando o meu filho era pequenino. Eu lia-lhe uns livros de histórias que tinham numa página um desenho alusivo e na outra uma pequena quadra. Ele adorava aquilo e às tantas já sabia as quadras de cor – ai de quem tentasse roubar uma quadra a uma das histórias!

Numas férias em Portugal (nem me lembro que idade tinha, 3 ou 4 anos) passou por nós um carro de bombeiros, vermelho e acelerado, com a sirene a toda a força. Eu disse-lhe:

- Olha, são os bombeiros! Eles é que apagam o fogo!
- Não, mãe, quem apaga o fogo é o Principal – respondeu, muito sério.

Fiquei a magicar nesta estranha resposta e de repente lembrei-me da história dos bombeiros; a páginas tantas, dizia qualquer coisa do género:

“a casa ficou alagada / mas não faz mal; / apagou-se o fogo / foi o principal”.

Fiquei siderada: quantos mais disparates estaríamos nós a transmitir com toda a convicção, na perfeita ignorância daquilo que ele estava a apreender?!?

Ainda hoje não sei como imaginava ele o Principal, se era gordo ou magro ou se era sequer gente; do que me lembro distintamente foi da trabalheira para que ele compreendesse correctamente uma quadra que parecia tão clara.

Quantas vezes isto acontece? Muitas, diz-me a experiência precocemente alertada: muitíssimas. Até sem quadras, até com adultos, que dominam a linguagem e supostamente deviam perceber o que dizemos. Mas não – ninguém, a começar por nós próprios, ouve realmente o que é dito: ouvimos sempre o que julgamos que querem dizer…

Hélas!

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