sábado, 19 de abril de 2008

Escrita II

Escrever é um vício. Ainda por cima, pressupõe que há gente interessada, que o que dizemos merece ser perpetuado no tempo, que acrescentamos algo relevante ao que existe.

O pior vício de todos é aquele que não se identifica como tal, ficando dissimulado por uma capa de virtude que garante que a coisa é feita não para benefício de quem a faz mas de outrem; a escrita é assim.

Escrevemos isto ou aquilo, convictos que estamos a apresentar aos outros algo que merece a sua atenção, que estamos a fornecer alguma coisa em troca do seu tempo e razão; tudo disparates, o que a gente quer mesmo é perorar do alto do caixote.

Claro que uma beldade esbelta e saudável desperta maior benevolência que um sujeito feio, coxo e vesgo; por isso, quem escreve tem normalmente algum trabalho a burilar e aperaltar os escritos mas são tudo operações cosméticas; o lifting não retira nem um segundo à existência, apenas serve para enganar quem vê – nós ao espelho ou eles de fora.


Hélas!

7 comentários:

Fátima Santos disse...

"pensar não dói" e mesmo sem o ai ai que ele lhe acresce, diria eu que não dói, mas em demasia, ómessa (é assim que se escreve?!)
sabe assim a caldo desemxabido...
Ao caso, digo, é para mim por demais evidente que qualquer patrão mesmo de organizada empresa, o que deseja é "pô-los a render", tirar-lhes o máximo enquanto dão e depois colocá-los esquecidos (como estiveram sempre enquanto gente que não enquanto rendimento)o que quer que tenham eles contribuido, numa casa linda com jardim em frente que resultou dos amealhados e nunca de um direito que no seu trabalho tenham auferido; e muita sorte que a maioria (digo eu diletando que é meu jeito, sem ter por aqui um só dado, palavrejando de cor e de peito feito) a maioria, redigo, sai da empresa sem um tusto, não poupou o desmazelado!,e em vez da casa com jardim em frente, terá um Tx com manchas no telhado (esta foi porque me dá sempre em rimar e pronto!) Agora imaginar que alguém assim sem por demais se preocupa com GENTE em termos de trabalho?! Porra!! como diria o outro, preocupa-se o c... !! (e lá me foi o dedo outra vez para o rimado. Vá que o parei a tempo!)
E vem este arrasoado no seguimento do comentário que um e outro vão fazendo em que necessitam explicar o que quer cada um dizer quando diz de facas e pistolas: tá bem de ver, carago! que o instrumento não faz a função merecedora, ou o contrário...
E nisso de escrita, menina, cuide-se que viciado é aquele que escreve mesmo sem nada pensado, mesmo sem a ponta de um corno para dizer. E fede sem que se tome como fedorento, antes se entenda perfumado. Um mimo que eu adoro e pelo qual me pelo pois o prefiro, apesar do cheiro, ao outro que pensando que sabe, ou mesmo sabendo, passa ao papel um "coiso": assim um desconchavo que a gente come sem saber se é carne ou peixe ou será um ou outro que não viu uma só vez, antes de cair comida no prato, erva verde ou água de mar assim de verdade!
Escrever tem que ser puro gozo! como tal, não vejo o como não seja a escrita uma forma mais despudorada de a gente se ver ao espelho: " olha lá está ele!!
e ficar de bandulho cheio!!
e que porra de desvirtuo lhe vê?
narcisismo, querida, servido de bandeja, uma pitadinha em cada letra
É servida?
Coma, coma, fique satisfeita...

mac disse...

mcorreia: Puxa, que tu fazes-me perder o fôlego…

Hélas!

cupidazul disse...

Completamente de acordo, existem razões que a própria razão desconhece para querer-mos escrever e ser-mos lidos, de facto, para quê modéstias e humildades todas elas falsas, "a gente quer mesmo é perorar do alto do caixote", bem dito.
Razões há-as aos molhos (de couves até :), ora porque há coisas que devem ficar escritas, e outras que devem ser lidas.
Não obstante, com a liberdade de dizer o que quero, inverto a tua filosofia, e digo, Lêr aqui é um vício, ou vai-se tornando a cada letra, gostei do que vi, e fiquei a querer ver mais, pois parece que ja estás em falta, venha de lá o resto dessa couve, que por hora está saborosa.

Cupid@zul
(APS)

mac disse...

Cupidazul: Obrigada pelo elogio à horta... A lagarta agradece! Estou em atraso? Como, em atraso?!? Que isto tem sido uma produção insana!

Hélas!

Alberto Oliveira disse...

"... o que diabo tenho eu a dizer aos outros que mereça a pena ser lido?". Mais letra menos ponto, termina assim o texto da "Escrita I". Este "Escrita II" segue a linha do anterior, procurando responder à questão deixada em aberto, se bem percebi.

Escrever será um vício para quem faz da escrita a principal profissão(?!) ou preenche muito do seu tempo a fazê-lo sem outra preocupação que não seja a de... escrever.

Acrescentar algo ao que já foi escrito, é um objectivo merecedor de todos os encómios. Perpetuado no tempo, não é difícil nos tempos que correm: com as edições on line ou pagas pelo autor, atinge-se em três tempos tal desiderato, mereça-se ou não, tal atenção.

Quem não "escreve para a gaveta", arrisca-se a ser lido. E se alguém escreve dessimulando intenções de falsas virtudes, tenho convivido perfeitamente com isso desde que me conheço a ler e não me coibindo de rasgar elogios a quem os merece e sendo caso disso. E aqui, estou em completo desacordo: se a escrita fosse apenas isso muito pior andaria o mundo...

Pessoalmente, interessa-me muito mais o que leio do que quem escreve. Por outro lado, "perorar do alto do caixote" pode ser uma questão de afirmação, convencimento pessoal que se tem algo para ser escutado e, porque não, prazer em ser ouvido. Se os actores não "fossem assim", não teríamos teatro. E quem escreve textos para os actores?...

A blogosfera, veio "democratizar" o acto da escrita -com todos os defeitos e virtudes que isso possa ter trazido. Escrevo na blogosfera à cerca de cinco anos e não confundo essa actividade com a da escrita profissional. Descubro todos os dias, gente que escreve muito bem e que, aposto, devem ter tanto prazer em fazê-lo como eu. E a partilhar esse prazer com os outros.

Se tiver esse tal prazer, merece ser lida. E se não tiver, também.

Alberto Oliveira disse...

... dissimulando e não dessimulando.

mac disse...

Legível: Se a escrita existisse apenas por puro prazer de escrever, poderia ser calmamente colocada na gaveta, estava feita e gozada. Mas ela não quer. Porque exige ser lida por terceiros, esse traço faz parte da sua natureza...

Escrever muito bem sem dizer nada – bem, nem sei se é possível, talvez seja para alguém mais dotado que eu... E que bem – ou mal - vem ao mundo pelo que a maioria de nós tem a dizer?

Hélas!