Aqui há uns anos, suspirei para a minha cria, a propósito já nem sei de quê, provavelmente farta de interrupções no filme:
- Bolas, como eu gostava de viver sozinha!
Naquele dia, estava farta, mas mesmo farta, de me preocupar com o jantar e se estaríamos todos à mesa ao mesmo tempo, em vez de ir despreocupadamente para a borga com amigos; estava farta de ter de pensar em telefonar, se chegasse tarde; estava farta de partilhar a sala e o comando da TV, nos sonolentos sábados; estava farta de não ter a casa só para mim, com gente permanentemente a ir espreitar a geleira – podem ter nascido doces por lá, desde a visita de há 5 minutos atrás! - ou a roncar no sofá; estava mesmo fartinha de ser permanentemente interrompida no que quer que estivesse a fazer.
O suspiro era verdadeiro e sentido.
Ele riu-se:
- Mãezinha, mas tu nem sabes o que é viver sozinha, nunca viveste assim!
Diabo, não é que o diabo do puto tem razão outra vez?!? É que de facto não faço ideia do que é viver sozinha, toda a vida tive companhia, e boa companhia ainda por cima.
Wakeup call!!!
E se um dia eu chegar a casa e não tenha quem me endireite com gentileza a sobrancelha franzida por contrariedades menores?
Se não tiver ninguém que, conhecendo-me muito bem, ainda assim viva aparentemente satisfeito na minha companhia?
Se, de repente, não tenho ninguém que se ria alto de mim, à minha frente?
Se não tiver ninguém que, conhecendo-me muito bem, ainda assim viva aparentemente satisfeito na minha companhia?
Se, de repente, não tenho ninguém que se ria alto de mim, à minha frente?
Se não tenho ninguém que seja mais importante para mim que eu própria?
Bolas! Devia mas é ir já acender uma vela a S. Teotónio, padroeiro dos mal-agradecidos...
E vou mesmo, daqui a bocadinho, no intervalo. Depois de ir fazer chichi. Os intervalos agora são enormes, deve dar. É que não quero perder a cena da Maria a sofrer por causa da sua vida tão difícil.
Sabem, é que a Maria tem alguns amigos, bons amigos, mas naturalmente com uma vida independente da dela. Não tem marido nem filho, o sofá é pequeno, no frigorífico só há verduras e nem nunca suspeitou que pudessem lá nascer doces.
Coitada da rapariga! Sem quem a interrompa um milhão de vezes, a provoque, se ria dela! Sem quem a chateie quando fica parva, sem quem lhe endireite a sobrancelha!
Hélas!