sábado, 1 de novembro de 2008

A pergunta


Eu sempre disse que quando estamos em dúvida com a actuação ou intenções de alguém que nos importa, o melhor é perguntar-lhe directamente e sem rodeios. Pode não ser muito fácil mas se o alguém nos importa mesmo, o melhor é saber a sua resposta frontal e sem intermediários. É mais justo para o alguém e mais verdadeiro para nós.

O que não costumo dizer expressamente (sempre me pareceu claramente implícito... Mas aparentemente não é), vou dizer agora: estejam preparados para as consequências, porque elas existem: o próprio facto da questão se colocar é relevante e demonstra que sabemos que a nossa confiança nesse alguém é insuficiente.

Depois, podemos ou não acreditar na resposta. Se sim, resta apenas o facto da questão se colocar, o que pode não ser demasiado grave, dependendo da questão.

Mas, para qualquer questão, se não acreditamos na resposta, toda a confiança cai por terra e não há nada a fazer. Essa relação morreu. O melhor que o perguntador pode fazer para minimizar o luto é dizer claramente ao alguém que não acredita na resposta e ao menos assim ficam ambos conscientes do funeral...

Deixem-me só alertar para mais um pormenor a ter em conta: se a pergunta é feita, respondida com verdade mas quem pergunta não acredita na resposta - bom, parabéns ao perguntador. Acabou de ganhar a medalha de ouro na arte muito humana de magoar gravemente alguém inocente e matar qualquer coisa importante.

Hélas!

3 comentários:

Anónimo disse...

À pergunta, uma resposta.

Eu notei ao longo de minha vida que o que é apresentado no primeiro parágrafo acontece raramente para não dizer nunca, se o pressuposto é a relação com alguém estimado.
A regra geral seria mais, no que respeita a alguém de quem gostamos, evitar constantemente entrar em choque com ele, calando, fazendo de conta que não ouvimos, tentando disfarçar alguns incómodos com uns assobios nervosos ou a expulsão de fumo de cigarro em vã tentativas do tipo artístico e, uma certa coragem para lançar à cara de quem não gostamos palavras que embrulhamos na palavra verdade, a nossa verdade que não pode magoar, pois temos razão e o alguém não o sabe, como também não sabe que o único estúpido ou enganado é ele.

Oh! Espelho, espelho meu, fala, diz-me qualquer coisa, sobretudo que eu tenho razão, senão ai de ti…
Assim vão as relações que temos com quem nos rodeia, à cegueira, à mentira, à escondida, com base na nossa culpa por querer que o mundo seja o reflexo dos nossos caprichos. Os outros raramente mudam, o software uma vez instalado necessita horas e horas de trabalho para que aconteçam evoluções. Não, os outros não mudam, somos nós que mudamos e que vemos de forma diferente a mesma coisa causando os mesmos efeitos. Picasso tinha razão; o que pintava era exactamente o que ele via, o angulo de observação era dele, o momento do dia era também escolhido por ele….Todos nós somos assim.

Assim se gostaste de alguém ontem, devo continuar hoje e amanhã a gostar dele. É a mesma pessoa, com o mesmo feitio, com os mesmos defeitos, e as mesmas qualidades. A única coisa que muda é o nosso nível de consciência do que gostamos ou não, o resto é então uma questão de perdoar. O perdão é a aceitação necessária das diferenças e uma questão de paz para si mesmo, aceitando que o alguém esteja no seu próprio processo de desenvolvimento.

O magoar existe sempre na ausência do perdão, pedir o perdão ou perdoar. Afinal tudo depende de nós. O que é que eu quero receber, o que é que eu quero dar?

mac disse...

Richard: Concordo com algumas coisas que dizes, com outras não. Ou melhor, o que dizes é verdadeiro, com o que não concordo é a interpretação dessas coisas…

Por exemplo, assobiar para o lado quando há incómodo: para mim é a reacção natural de quem quer manter a estima por alguém, aceitando as características de que não se gosta (o assobio é um poderoso digestivo) – está certo e até é bom, e não era a nada disso que eu me referia no artigo.

E também não me referia a toda a gente gostar de ter razão – o que é verdade.

Dizes “gostaste de alguém ontem, devo continuar hoje e amanhã a gostar dele (…), (…) os outros não mudam, somos nós que mudamos (…) ”; com isto não concordo mesmo. Primeiro porque os outros somos nós para os outros ou seja, não há nós nem outros, é tudo a mesma coisa; e depois porque a estima baseia-se naquilo que se conhece mais aquilo que se supõe mais aquilo que pensamos representar para o objecto da nossa estima (eu não acredito em relações que não sejam igualitárias) e é por isso que não gostamos de toda a gente nem toda a gente gosta de nós.

O que se passa de vez em quando é que somos confrontados com a prova de que as nossas suposições estavam erradas e afinal aquele personagem pertence à categoria das pessoas de que não gostamos; ou então o que representamos para a personagem não é o que ele representa para nós... Mas se me perguntares porque é que isto dói, não te sei dizer se é a dor de perceber que nos enganámos, a dor de ficarmos mais pobres nas pessoas que estimamos ou a dor de compreender que a opinião que têm de nós é (na nossa opinião, claro) manifestamente insuficiente. Sim, o que quero receber é o que quero dar.

Sabes, os católicos têm absoluta razão numa coisa: é impossível perdoar a quem não reconhece culpa.

Hélas!

Anónimo disse...

Peço desculpa mas os católicos para quem é impossível perdoar a quem não reconhece culpa têm para mim um comportamento pouco católico. O Cristo não foi quem ofereceu a face esquerda a quem lhe deu uma palmada na face direita? Aliás isso por si só mostra a que ponto o perdão é necessário para prosseguir o seu caminho. Grandes Humanistas tais como Gandhi e Mandela, para citar figuras conhecidas de toda gente, mostraram também este caminho. Gandhi dizia “ Não devemos procurar o caminho para a Paz, a Paz é o caminho”, o que subentende de forma clara para mim que o perdão está incluído nesta Paz!
Agora para falar deste tema a meu nível, aquele de um homem simples e escondido na multidão, diria que não sinto que mudei de forma intrínseca nos últimos 47 anos, que perfiz há 3 meses. Quero sublinhar que, obviamente, me incluo nas observações que faço em relação aos outros. Aliás, porque é que vezes sem conta dizemos:” sempre gostei daquilo ou daquele ou disso ou sempre detestei tal coisa!”. Reflectindo nesta troca que tivemos, lembro-me que desde a minha tenra juventude sempre apanhei castigos, gozo ou alguma violência pelas mesmas razões. Portanto, eu não mudei e as mesmas características têm os mesmos efeitos. Hoje, pessoas podem magoar-me pelas mesmas razões que me magoaram quando muito jovem. As mesmas causas provocam os mesmos efeitos!
Continuo portanto a dizer que não mudamos ou tão pouco, que quando alguém fica ferido não é porque o outro mudou, mas é porque nós evitamos por um monte de razões, cobardia, medo da solidão, de não ter amigos…etc, de dar importância a características que estavam lá. Quando um casal se divorcia porque será? Será que as características de alguém mudaram ou elas existiam e o outro não as queria ver? O provérbio “ O amor é cego” não apareceu do nada!
Sem perdão já não teria mais contacto com muitas pessoas, quantas vezes e sem contrapartidas, perdoei? O perdão é uma maneira pacífica de amar os outros e de se amar a si mesmo. Para quem ainda conhece Jacques Brel e a canção “ Les vieux amants”, a teoria do perdão é na minha opinião subjacente a todas as palavras. Os pais perdoam as suas crianças que lhe perdoam em reciprocidade para que cada um se sinta bem. O perdão é indissociável do amar, e assim continuo a dizer “se tu gostaste de alguém no passado, deve perdoá-lo e continuar a amá-lo”.