Meados de um Fevereiro passado, um frio de rachar.
O miúdo pequeno, 5 ou 6 anos, estava na rua pela primeira vez, via-se. Notava-se na confiança com que se aproximava, na expressão inocentemente triste com que recebia as respostas dos condutores. A roupinha quase nova e muito limpa atestava um cuidado familiar amoroso que o tinha preparado para o serviço. Lembram-se quando vestiram a vossa cria para ir para a escola pela primeira vez? Era a mesma coisa.
Vendia pensos rápidos e agendas "baratinho, menina, baratinho!..."
Eu não quis. O sinal mudou para verde, eu arranquei - até hoje, passados anos, perseguem-me aqueles olhos enormes, inocentemente incrédulos na sua incompetência em ajudar a por o pão na mesa e a lenha na lareira.
Teria 6 anos se tanto e levarei a imagem da sua face comigo eternamente.
Não me venham com tangas de que "é necessário que perceba que isso não é vida" - a verdade é que um criança tão pequena não devia ter os sonhos desfeitos à beira de um semáforo, num Fevereiro tão frio. Tudo o resto são justificações do nosso egoísmo - hoje, não tenho qualquer dúvida que o que Dante nunca teve coragem de escrever é que há um nível no Inferno onde simplesmente somos olhados por incrédulos olhos inocentes.
Hélas!
7 comentários:
Isso de níveis no Inferno é para nos complicar o estado de morte?
Não nos veremos nunca livres das complicações?
:)
lenor, não me parece, acho que é apenas uma das consequências da dita: não se pode corrigir nada e não se pode deitar fora nada do que comprámos. Uma chatice, realmente.
Complicação é o nosso nome do meio, não é? Como diacho se foge ao nosso nome?
neste momento poisou um mosquito(enorme!) no teclado do meu computador e omeu plogar esborrachou-o...
muitos são os olhos que nos olham e muito poucos aqueles com que choramos ... juntos
o mosquito apenas está fora do seu meio, como todos...
desiquilíbrios
polegar
Era Dezembro, tinha a minha mãe hospitalizada, quando uma menina cigana me chegou à janela do carro. Só pude mostrar-lhe as minhas mãos vazias... Mas aqueles olhos enormes ficaram-me para sempre.
Ainda hoje a história da Menina dos Fósforos de Hans Chistian Andersen me persegue. E o pior é que a vi repetida vezes sem conta pelas histórias que a vida me obriga a presenciar.
Maria de Fátima, tu não tens vergonha?!? O desgraçado do bicho só estava a viver, ora batatas.
Mofina, aqueles olhos são sempre enormes. Para os vermos melhor, suponho.
Blimunda, a Menina dos Fósforos deve ter sido escrita à beira de um semáforo. Todos paramos nos semáforos, o Hans também,não é?
Enviar um comentário