quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Oferta


A rapariga é provavelmente mais nova que eu e tem um montão de filhos lindos - louros, olhos azuis, feições correctas... Pelo menos 4 e são mesmo bonitos. Ou eram, porque já não vejo nenhum há alguns anos.

É pedinte profissional. Tem os tiques, a voz chorosa, a mão estendida de certa maneira, o ar triste e esperançoso que é tão típico.

Uma vez, já há muitos anos, bateu-me à porta e eu abri. Tinha a penúltima bebé no colo, linda! E pediu-me "se eu não tinha qualquer coisita..." com um ar choroso. Eu dei. Porque não? A minha vida era boa, a dela era menos boa e eu podia sem sacrifício.

Desde então, ela passa por cá tipicamente uma vez por semana, mais quando a vida corre mal. Quando ela toca, a minha gente (é um toque característico) diz sorrindo: - Vai lá que é a tua pobre.

E assim, devagarinho, passou a ser a minha pobre; tenho um bocadito de vergonha disso.

Antes do Natal eu costumo oferecer-lhe um cabaz e ela só volta 2 semanas depois mas aqui há cerca de 2 ou 3 anos, bateu à porta 3 dias depois para me oferecer um grelhador, daqueles de pedra com lamparinas por baixo. Disse-me que uma senhora lho tinha dado mas que ela não tinha uso para aquilo... Aceitei o presente que ainda hoje enfeita a parte de cima dos armários da cozinha, toda a gente sabe que aquilo com lamparinas não é nada prático (quem diacho serão as amigas da tal senhora?!?).

Hoje, quando bateu à porta, pediu-me ajuda para pagar o gás - o que em pobreguês quer dizer que precisa de dinheiro vivo e não de utilidades.

Aproveitou a visita para me oferecer uma caixa de 12 copos de pé, iguais aos que uso cá em casa. Novos e na caixa de origem: "A senhora não quer? Deram-me mas são muitos copos".

Eu quis e estes não vão para cima de armário nenhum. A minha pobre é porreira.

Hélas!

3 comentários:

Mofina disse...

Desde Sexta-feira que este relato não me saí da cabeça. Impressionante como (somos) sou pobre(s)...

Fátima Santos disse...

mais copos?!!!

mac disse...

Olá, Mofina. É giro como há tantas maneiras de olhar para a mesma coisa... A mim encanta-me que a pobre possa oferecer coisas a alguém.

Maria de Fátima, os copos partem-se, é uma chatice. E no jantar dos primos precisamos de muitos copos.