sábado, 14 de agosto de 2010

O tempo da coisa


O Homem é temporal; os seus sentimentos e as suas razões são influenciadas pelo tempo em que acontecem - é diferente ser ignorado em criança ou em adulto, estando doente ou saudável, etc., etc. - e portanto as suas acções têm também de ser avaliadas com valores diferentes consoante o tempo em que acontecem.

Dada esta premissa, a mesma acção pode ou não ser correcta: um murro no focinho de uma besta humana pode ser correcto quando a dita besta está de pé e incorrecto quando a besta está no chão, toda partida e a chorar pelo pai e mãe. A besta é a mesma mas as circunstâncias não.

Mesmo quando a acção é uma não-acção, esta dicotomia mantém-se: parece-me correcto ignorar um tipo que foi mau para nós quando ele está com dificuldade em pedir um café num bar em Londres e incorrecto quando ele está a ter um ataque cardíaco, seja em que local for. Pura e simplesmente, o tempo e circunstâncias são diferentes; a mesma acção - exactamente a mesma, ignorar o energúmeno - não tem o mesmo valor ético.

É a mesma coisa, quando se trata de proteger a nossa sensibilidade: para quem tem horror a hospitais, é diferente não ir visitar o primo que partiu a anca ou o primo que está a morrer; a acção e suas razões são exactamente as mesmas mas as circunstâncias são diferentes.

O Tempo e as Circunstâncias alteram tudo. O que quer dizer que a avaliação da acção permanente é diferente, conforme o tempo em que é avaliada.

Uma chatice, realmente.

Hélas!

2 comentários:

AC disse...

Não acho que se possa pôr no mesmo saco "um murro no focinho de uma besta" - esteja ela de pé ou de rastos a chorar baba e ranho, e "ignorar o tipo que foi mau para nós" - esteja ele em dificuldades para pedir um café em Londres ou esteja a ter um ataque cardíaco. Não acho mesmo, por uma razão muito simples: a 1ª pressupõe uma acção, ver mesmo uma premeditação, ruminação e vingança, e portanto uma raiva suficiente para agir, enquanto a 2ª pressupõe apenas a continuação da não acção até aí levada a cabo. Por isso existem penas diferentes em caso de homicidio e em caso de não assistência a pessoa em perigo.
Quanto ao resto, estou de acordo: o homem é temporal. E a única coisa mais que me occorre ao pensamento é a fábula da cigarra e da formiga. Grande Lafontaine intemporal, de facto.

mac disse...

AC, não estão no mesmo saco, uma está no saco das acções a outra no saco das não acções (que são acções também embora de natureza muito ligeiramente diferente - eufemismos tão caros à nossa própria natureza...).

Sabes, um dia escreverei a minha versão dessa fábula (e de outras), tão cara à tua memória. Quando conseguir fazer isso, serás a primeira dos muito poucos a quem pedirei opinião.