Jazia deitado na cama, enrolado sobre si próprio.
Mergulhado em sofrimento amorfo, sem esperança, imerso num cansaço entranhado nos ossos, um desânimo cuja profundeza não tinha medida. Não estava desesperado, o desespero leva à acção; estava... desesperançoso, um estado em que tanto a esperança como a falta dela não têm lugar.
Tinha os olhos secos - o choro é uma reacção à tristeza mas a tristeza requer razão e ele estava para além disso. O cérebro tinha-se ausentado num desligamento automático provocado por mecanismos de segurança interna - se pudesse pensar, teria já feito asneira - a natureza é sábia.
Ouviu ranger a porta mas tudo o que não exigisse uma acção imediata e inadiável era trivial e podia ser ignorado. Ignorou o ruído.
Assim esteve, muito e muito tempo. Quando a sede se tornou inadiável, levantou-se lentamente e foi à cozinha.
A porta estava entreaberta e em cima da mesa estava uma pétala. Pegou-lhe: estava murcha mas cheirava bem. Inexplicavelmente sentiu-se melhor, capaz de aceitar que nunca poderia providenciar por inteiro.
Desde que não tivesse medo nem egoísmo, que não colocasse em outros o próprio peso ou culpa, que não renegasse passado ou futuro, que não fugisse à própria incapacidade, a necessidade que não podia satisfazer seria como aquela pétala: murcha mas com aroma a paz.
Nunca mais fecharia a porta da cozinha - abençoado visitante, o que assim lhe devolvia a vida.
Hélas!
15 comentários:
Faz falta no blogger um polegarzinho para dizer 'gosto disto'.
(É que podemos querer sublinhar que gostamos, mas achar que tudo o mais que acrescentamos é ruído)
Vai dar ao mesmo, teresa g., tks!
Os elogios devem ser dirigidos à Blimunda, as críticas podem ficar por aqui mesmo.
Mac, para si, uma rosa completa....
Mofina, terna, persistente, discreta...
Obrigada, muito a sério.
Minha amiga, minha querida amiga...
Bli, tu tens o condão de inspirar a minha veia criativa, não foi esta a primeira vez.
Obrigada.
O mais estranho é que depois da veia se esvair parece que o sangue é meu. :)
Caramba! Se todos atingissemos a elevação de conseguir que nenhum de nós tivesse medo nem egoísmo, que não colocasse em outros o próprio peso ou culpa, que não renegasse passado ou futuro, que não fugisse à própria incapacidade as nossas necessidades insatisfeitas não seriam mais do que pétalas murchas mas com aroma a paz e não a guerra, tormento e massacre.
Bli, é teu, sim... E meu, e de outros também, acho.
Sabes, acho que é uma guerra decente. Batalha a batalha, umas ganhas e outras perdidas mas é uma guerra decente, onde vale a pena o esforço... A bem de quem necessita.
Que cada um faça o que pode.
Este seu conto , sensibilizou-me, sobretudo a imagem da pétala que devolve a esperança, mas igualmente pela imagem final que deixa suspensa pelo menos no meu entendimento, que não andamos por aqui à toa, há sempre uma presença sublime que nos pode ajudar, assim lhes prestemos atenção.
Luis, não sei se andamos por aqui à toa mas ao menos saibamos dar por estes presentes singelos...
Eu nao digo é nada, fui exposto, sinto-me desnudado, vou encontrar uma nova couve para cá voltar.
privada, eu cá sinto-me couve!
Muito fixe, minha.
(Só agora reparei que estive uns dias sem vir aqui; rotinas que as férias quebram...)
Marques Correia, ainda bem que ocê gostou!
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