segunda-feira, 23 de março de 2009

Uma questão de temperatura


Bom, toda a gente sabe que há dias para esquecer.

Dias que correm mal, de manhã à noite. Aqueles dias em que suspiramos por ir dormir, para ver se a sorte aziaga se perde de nós no escuro.

Nesses dias, temos o pavio muito curto, não é? Explode-se sem razão para isso - diacho, razões até há muitas, não têm é nada a ver com o que se passa no momento ou com quem tem o azar de estar à nossa frente a bocejar...

Tão alerta que estou para este fenómeno, já tenho um reflexo quase condicionado: quando a minha própria temperatura começa realmente a subir, caem as persianas da alma. Fico assim tipo boi de olhos mornos e ouço tudo com uma impessoalidade total, incluindo insinuações maldosas, falsos factos, acusações injustas ou mesmo insultos. Raramente fico alterada - quanto mais grave o conflito, mais grossas as persianas descidas.

Parece até bom, não parece? O problema é que normalmente também tomo decisões. São usualmente definitivas e impermeáveis a qualquer raciocínio posterior, por muito razoável e sensato que possa parecer. 99,999% das vezes a decisão é definitivamente definitiva (só me lembro uma vez na vida de ter voltado atrás numa decisão deste tipo e foi por causa de uma paciência absolutamente de santo, uma persistência pior que uma pastilha elástica no cabelo, tudo aliado a uma delicadeza quase oriental).

A temperatura, embora pareça baixa, na realidade está alta. Queima-se o pavio e é a cera que está a ser consumida, em chama alta ainda que invisível - é assim.
Em outros vejo reacção diferente, esbravejam, discutem e cospem, são tão emocionais, subjectivos, pouco racionais! As tais minhas decisões inamovíveis podem não ser as melhores mas são racionais e objectivas.
E depois, quem cospe, esbraveja e se ofende, 3 dias depois parece ter esquecido tudo - o ultraje escafedeu-se no éter, desapareceu e não deixou descendência. Já comigo, o conflito que fez descer as persianas jamais é esquecido, mesmo que não tenha sido pessoal. Não sou rancorosa, não sou mesmo, e também não faço minhas as dores alheias. Mas não me esquece, ainda que não tenha sido comigo, o que me fez subir a temperatura.

A que propósito vem isto? Bem, é que me deu para a introspecção e surgiu a pergunta: será realmente melhor isto que desatar a insultar o pirralho que me tocou num ombro, na fila do autocarro?

Deixo-vos a questão. Não sei o que parece mas garanto que não é nada simples.

Hélas!

12 comentários:

jg disse...

Sem um melhor esclarecimento do penúltimo parágrafo, não posso achar coisa nenhuma.(isto é uma provocação)
Essa da irreversabilidade (que palavrão...) de opções parece-me desproporcional.
E sim, é possível compatibilizar o registo de memória futura com o esbracejar e umas galhetas à mistura.
Tendo-se corpo que o suporte, naturalmente.

Mofina disse...

Mac, abra as persianas da alma, por favor...

Blimunda disse...

...será realmente melhor isto que desatar a insultar o pirralho que me tocou num ombro, na fila do autocarro?

Impõe-se a questão: melhor para quem? Se me disser - para quem fecha as persianas, responderei: é pior. Se me disser - para o pirralho, responderei: é melhor!

Anónimo disse...

Bem, vim-lhe deixar um abraço e responder parcialmente à questão.
Às vezes explodimos por muitas coisas. Normalmente há mais à volta do que aquilo que nos fez explodir. Pequenas minas. E às vezes sem perceber deitamos álcool em zonas altamente inflamáveis que faz os outros explodirem também.
São tempos difíceis. Estamos todos muito susceptíveis. Uns mariquinhas, portanto.

(não sei se reparou mas este foi o meu mea culpa. o abraço pode aceitar ou não. é de boa vontade e de paz)

Fátima Santos disse...

ora, ora, cunhada faz cada pergunta, cogita cada cogitação, que me dá vontade até de lhe fazer acender o couto (ou côto?!) e ver arder-lhe e cera e eu esbracejando
a cunhada envelhece assim desse jeito, fica parecida uma madre superiora, ao menos, digo, na forma como lhe explode a alma assim num frio de gume enquanto a vela arde
e não esquece! porra, minha querida que nunca me aconteça... nada, nada, fugiu-me o pensamento para a realidade
mas perguntava, queria que alvitrássemos de entre os dois qual decidimos: eu nem lhe respondo mas desde já lhe conto que na família havia quem dissesse e eu herdei-lhe o dito: "detesto vacas encoiradas!"
disse

mac disse...

jg, eu sei que parece desproporcional mas não sei se o é de facto. Se calhar é apenas um muito primário sistema de defesa - ou, pelo contrário, é um altamente sofisticado sistema de defesa...

Compatibilizar galhetas e raciocínio parece-me muito mais difícil.

Mofina, elas abrem-se, mas só depois... Trata-se de um edifício supostamente inteligente, o que quer dizer que é horrorosamente estúpido e teimoso.

Blimunda, bem, este comentário embasbacou-me. Fiquei parada, vidrada, estupefacta. Fui pensar.

Depois acalmou-se a agitação: melhor para o resto do mundo. Não para quem fecha as persianas, não para o pirralho insolente, sim para o resto do mundo que nem conhece as persianas nem o pirralho.

A evolução da espécie faz-se através das escolhas dos seus indivíduos - qual a melhor escolha, para fazer progredir a espécie?...

Jorge, somos todos uns mariquinhas, é bem verdade. E eu devia ter mais cuidado com os estilhaços, houve uma Alma que hoje me fez ver isso muito bem.
Adoro abraços de paz, aceito o seu e retribuo com alegria.

Até à nossa próxima discussão (Santo Deus, é de facto uma das pessoas com quem mais discuto!...)

Maria de Fátima, não tenho bem a certeza mas acho que me estás a insultar... Que são vacas encoiradas?!?

Eu sou só uma madre inferiora, não te zangues assim, vai antes refilar com o Padre Superior.

Marques Correia disse...

Sra D. Mac, começando pela resposta, claro que é melhor descer as persianas e não entrar em duelos emocionais; estes, por irracionais, raras vezes dão bons resultados (os que nos interessam).

As persianas são porreiras para defesa (fala a experiência) mas atrapalham quando se quer (contra)atacar. Portanto deixa umas gretas (seteiras na muralha) que podem dar jeito.

Só uma crítica: o "nunca mais" não é de gente boa e tolhe os movimentos, lá mais para a frente. Para além de que a pessoa que fulminamos hoje com o nunca mais!, já não é a bem mesma pessoa depois de amanhã.

Voltar atrás, dar a mão novamente a quem a mordeu (enfim, uma vez, duas no máximo) não tem nada de cristão e deveria ser um procedimento normal entre pessoas normais.
As de bem.

Anónimo disse...

O ke chateia é a gente ficar na duvida de se devia ter abandonado o local, se devia ter descido ao nivel, etc..

Da msm forma que a Mac se sente humilhada, ferida, a outra pessoa provavelmente sente-se muito mais, pensa tanto no assunto, como pensa a Mac.

A Mac limitou-se a fechar as persianas a outra humilhou-se, de todas as formas, sempre tentando humilha-la.
Se a Mac pensar que foi humilhada, a outra msm à batota vence, vence perante si que se deixa levar, porke perante kem tenha assistido a vencedora é a Mac.

Aconte ke provavelmente vai voltar a cruzar-se com essa pessoa desta vez não pode ceder, não vá em palavrinhas democraticas, porke a outra pessoa está arrependida mas so desta vez, ke pa proxima volta ao mesmo.

Encare, profissionalismo, cara seria e rosto fechado, a minima cena irracional, olhe o relogio duas vezes, de seguida peça desculpa, mas não pode continuar, retoma a reunião kd a outra pessoa estiver mais lucida. E out

mac disse...

Marques Correia, concordo, o "nunca mais!" não é de gente boa. Porque diacho achas tu que me dá para a intrsopecção, de vez em quando? Gostava tanto de ser gente boa!

A frase "não tem nada de cristão e deveria ser um procedimento normal entre pessoas normais" é que me deixou em pulgas de curiosidade: afinal, qual é a relação que pensas existir entre "gente normal" e "cristãos"?

Privada, o meu problema não é bem esse. Descer ao nível, não desço e pronto - não é problema.
Também não me sinto humilhada - a bem dizer, não me sinto - caem as persianas e fico exterior - emcionalmente desligada.
Essa de sair educadamente nunca me ocorreu - estou lúcida e fria, porquê sair? Mas cá me fica como plano B, em dia em que as persianas não caiam como habitualmente.

Há uma coisa que disse em que estou frontalmente em desacordo: as minhas persianas não são uma cedência. Não considero ceder, ouvir com olhos de boi morno as mais estranhas e convictas afirmações - é antes a forma menos estúpida que o meu subconsciente arranjou para lidar com situações irrazoáveis: quem as não tem? E tem normalmente a vantagem de deixar o irrazoável com pouco conforto...

Marques Correia disse...

A redacção da frase "não tem nada de cristão e deveria ser um procedimento normal entre pessoas normais" não foi feliz.
É habitual esperar (?) que os cristãos imitem Cristo dando a outra face - ou dando a mesma duas vezes.
O que eu queria dizer é que "voltar atrás e dar a mão a quem a mordeu" não deveria ser tomado por um acto naïf de cristão a imitar Cristo mas um acto normal de pessoas normais.
Um cristão, como um socialista ou um ateu pode perfeitamente ser uma pessoa normal.
Ou anormal, não tem que ver com ser ou não ser cristão ou comuna.

Marta disse...

Gostei mesmo de ler. Tb me deu para as introspecções!

mac disse...

Marques Correia, não estarás tu a tomar como normal um procedimento cristão, do tipo "voltar atrás e dar a mão a quem a mordeu"?...
Foi só um pensamento.

Marta, bem vinda e obrigada. Aqui no quintal é assim mas só de vez em quando, o resto do tempo é um bocado monótono. Ah! E dia 11 é dia de rimas, excepto quando valores mais altos se alevantam...