quarta-feira, 3 de março de 2010

Lost in translation


Desde menininha que me conheço este traço: a mania de explicar aos outros que não estão a perceber.

Eu pensava que percebia, que quando alguém dizia à mesa que "o cheiro é muito bom", o tipo que lhe respondia "pois é" na realidade o que tinha ouvido era qualquer coisa do tipo "o cozinheiro é bom" e estava a concordar com isso porque nasceu sem olfacto mas tinha paladar apurado e achava o cozinheiro óptimo.
Eu ouvia um e outro, notava a discrepância de enquadramento e tentava explicar, a um e outro, que estavam a falar de coisas diferentes. Pior ainda, tentava explicar, aos dois, o que o outro tinha dito - os resultados eram em geral desagradáveis, o pessoal saia a rir, melhores amigos, e ambos muito zangados comigo.

Que querem, sempre tive a mania que percebia as diversas linguagens embora seja perfeitamente vulgar em linguas.

Este discurso todo é só para meditarem na necessidade de tradutores. Especialmente da mesma língua - são mais os mal-entendidos na mesma língua que entre linguas diferentes, se calhar porque há tradutores profissionais, pagos, e contratados.
Ou então porque toda a gente pensa que percebe a sua língua mas não lhe custa admitir que não sabe holandês... Sei lá. A verdade é que raramente se percebe o que é dito, e normalmente o que se percebe é o que achamos que o gajo quis dizer. Nem se apercebe a necessidade dos tradutores.

Cada vez os acho mais essenciais, sabem?

Hélas!

6 comentários:

Blimunda disse...

Também eu. Essenciais e imprescindíveis.

Blimunda disse...

A verdade, Mac, é que durante a translation se perde, irremediavelmente, grande parte da mensagem inicial. Não te esqueças que ao traduzires imprimes à mensagem muito da tua percepção, da tua visão pessoal de cada uma das palavras ditas. É o que acontece aos boatos. O tradutor pode alterar, consciente ou inconscientemente, o significado da mensagem ao optar por uma ou outra palavra. Opção essa que terá simplesmente a ver com a sua própria literacia e nunca com o que o primeiro pretendeu transmitir.

Não me admira que o pessoal saia a rir, melhores amigos, e ambos muito zangados contigo, ora! Estou mesmo a ver-te a enxotá-los com esse teu nariz arrebitado. :)

mac disse...

Bli, o meu mimoso narizinho não é arrebitado, é só enorme!
Mas não acho que seja por isso que ficam zangados, acho que é porque o meu afã de os fazer compreender-se os incomoda, convenhamos que não é nada prático compreender os outros. E ficam os melhores amigos porque não há nada como um inimigo comum para cimentar amizades!

E estaria eu a explicar a realidade?

mac disse...

Já me esquecia (estou mesmo a ficar xelelé!): é melhor perder-se parte da mensagem inicial que pura e simplesmente confundir cheiros com cozinheiros porque aí, além de se perder TODA a mensagem, ainda se recebe uma mensagem que nem sequer foi enviada...

Marques Correia disse...

Para que raio queres tu tradutores se, assim que um dos desgraçados abrir a boca, tu ficarás imediatamente convencida que ele não percebeu nada do que o traduzido quis dizer, nem sequer do que realmente disse.

Porque o teu problema (se o fôr...) é precisamente esse: achares que todas as pessoas falam linguagens diferentes, em que as palavras comuns querem dizer coisas diferentes, logo ninguém percebe o que o outro diz.

No fundo não estás longe da verdade (pelo menos da minha), é só uma questão de grau.
Eu acho que, no geral, toda a gente percebe frases, ideias, informações simples, ou seja acho que o que um percebe coincide com o que o outro disse, na maioria dos casos.

Tu achas que essa coincidência ocorre numa percentagem muito pequena.

A comunicação é uma arte porque trata do que eu quero comunicar versus o que o outro percebe. Entre uma coisa e outra estão duas traduções: passar o que quero transmitir para palavras e, do outro lado, converter as palavras em informação e (o mais difícil) trimar a informação, cortar dos sentidos duplos ou triplos aqueles que não fazem sentido e chegar, finalmente, ao que deve ser o que o tipo quis dizer.
É uma arte, e não é nada fácil.

mac disse...

Marques Correia, que dizer?...
"(...)É uma arte, e não é nada fácil."

Pois não, é o que me ocorre.