sábado, 6 de fevereiro de 2010

Religião e moral


Nunca percebi muito bem a coisa, devo dizer. Nem no meu íntimo e a respeito de mim própria.

No outro dia, disse a alguém cristão que o que uma pessoa sinceramente crente devia desejar é que o seu bebé morresse serenamente no sono - a criança passaria directamente ao paraíso sem passar pela casa "Partida" e sem sofrer as agruras da vida (atenção que não estou a falar em matar o bebé, que seria um acto contrário a outros princípios cristãos).

É claro que os pais teriam um grande desgosto mas não é isto o amor cristão? Ignorar a nossa mágoa para que outro seja feliz? Na realidade, perorei eu, o que nos faz lutar assanhadamente pela vida de alguém é o nosso egoísmo, se fossemos realmente cristãos gostaríamos de ver a alma partir de encontro a Deus, com quem seria mais feliz que neste vale de lágrimas. Mas como somos egoístas, olhamos primeiro para o nosso umbigo e para o facto de gostarmos de o ter por cá ou não suportarmos a dor de não fazer nada, seja qual for o sofrimento que lhe estamos a comprar com isso.

Bem, quase me cuspiram num olho e de certezinha que passei à categoria de monstro se já lá não estava.

As minhas dúvidas mantêm-se: como é que um crente sincero, se for honesto consigo próprio, pode defender o seu próprio egoísmo? Isso não o devia fazer sair a correr para a igreja a pedir perdão? Ou a sua crença serve apenas e egoisticamente para o ajudar a superar os seus próprios maus momentos? E nesse caso, como raio pode sinceramente continuar a considerar-se honesto?

Eu acho que até percebia se me dissessem "olha, eu sou pecador, isto é o melhor que consigo mas todos os dias tento ultrapassar o meu egoísmo, todos os dias tento não me por a mim próprio em primeiro lugar, todos os dias peço a Deus forças para me esquecer e às minhas dores e conseguir por o bem do outro em primeiro lugar".

Mas não me dizem isto, cospem-me num olho e ficam zangados comigo.

Não percebo, a sério que não.

Hélas!

8 comentários:

KingRaven disse...

Mas desejar a morte de alguém, mesmo que com "boas" intenções, não é em si um pecado?

Se Deus dá a vida quem és tu para desejar a morte?

Condensando a coisa numa perspectiva mais abrangente, sob a visão católica, se não me engano, o objectivo da vida é essencialmente provar que temos o direito de entrar no paraíso.
Fazemo-lo seguindo as regras da religião o melhor possível e principalmente na nossa mente mais que nas acções (todos os pecados podem ser absolvidos mas apenas se realmente nos arrependermos deles).
Sendo assim, desejar a morte de um bebé (ou de quem quer que seja) é uma infracção no sentido que desejamos o término da vida antes da prova propriamente dita.

Para não variar há um loophole ;) se desejares que a vontade de Deus seja levar a criança e não directamente a morte da criança (again, a crença tem que ser real) então suponho que não haveria "problema". :P

Uma visão mais correcta independentemente da religião seria desejar que a criança viva uma vida feliz e que deixe uma marca positiva nesta vida! :)

(E não, não sou um monge (foto) :P Foi tirada numa feira medieval :PP)

mac disse...

KingRaven,

1º - Não é desejar a morte de alguém, é desejar que alguém seja poupado às agruras da vida mesmo que isso signifique não ter as felicidades da vida;
2º - O objectivo da vida não é provar que temos o direito de entrar no paraíso; a vida é, simplesmente. Não tem objectivo.
Para quem vive, no entanto, um bom objectivo é entrar no paraíso.
3º - A Vida é uma oferta e o livre-arbítrio outra maior. Mas o muito amor que se tem na hora de escolher a prenda é garantia de que o receptor gosta dela?
4º - Desejar a morte do bebé pode ser um pecado mas para nós, não para ele. E do que aqui estou a falar é o bem dele, não do nosso.
5º - Desejar que a criança viva uma vida feliz e que deixe uma marca positiva nesta vida são 2 coisas: 1 - que viva feliz (treta - toda a gente é infeliz de vez em quando, o máximo que se pode esperar é que sejam poucas vezes e com pouca força...) e 2 - que deixe uma marca positiva nesta vida (essa marca em geral doi e muito. Desejamos nós essa dor e sacrifício a alguém? Não, queremos que essa marca seja deixada sem pagar o preço, o que não é razoável)

Quem diz isto é o racional. O emotivo, egoísta, assoa-se e diz: "Graças a Deus que que não morreu!".

Percebo isto, o que não percebo é que não se saiba quem falou.

privada disse...

Desejar a morte de alguem, ainda que para seu bem, é egoismo. Evitas aqui a eutanasia partindo do principio que o doente é um pecador e como tal vai para o inferno, e portanto não é bom que o cristão deseje essa morte, muito embora um cristão às vezes a deseja. Não pode é admiti-lo, porque, o bom cristão não deve decidir, nem pensar ou desejar sobre a morte de alguem essa é tarefa do supremo.
E sem escutas. Msm com elas, um bom cristao, pode ate desejar, mas tem ke pedir perdão por isso.
Julgo.

privada disse...

Mas percebi a cena, só que para um cristão ela só deve entrar em curso se a morte ocorrer, e nessa altura um humano não é bom cristão, porque vai pensar demasiado na sua dor em vez da paz da criança. Depois da morte, deseja-la antes é pecado. :-)

Mas tbm os homens só amam os filhos, porque vem neles uma forma de minimizar, uma forma de reviver. O homem é uno, nao tem familia, não tem laços, nao tem filhos, é social, e egoista. É fascinante.:-)))))

privada disse...

Um ladrão com filhos, tem mais perdão que um ladrão sem eles, são escudos, e nisso sao tao egoistas os cristão, com o resto dos hipocritas.

mac disse...

Essa/s são para mim ou para o King,privada? Fiquei na dúvida.

Tens alguma razão quando dizes que quando desejamos o bem de quem amamos existe um componente de egoísmo, porque sofremos quando quem amamos sofre.

No que me diz respeito, não tens razão quando assumes que parto do princípio que o doente (qual doente? Ninguém falou em doenças) é um pecador e portanto tal e tal.
Um bebé é, por definição,puro - vai para o céu de foguetão, deixai vir a Mim as criancinhas.

Um ladrão com filhos tem menos perdão que aquele sem filhos que roubou para dar de comer aos filhos do vizinho. O ponto está no sacrifício próprio em favor de outrém, acho eu.

Por isso é que não tem grande saída.

privada disse...

Pois, sim aí está bem. Nao me lembrei desse. Hum...

mac disse...

Qual esse, privada? Batatas, de vez em quando sinto-me completamente tapada.