domingo, 30 de agosto de 2009

Brilhante, Watson!


Cheguei a uma conclusão verdadeiramente brilhante, digna dos meus pirolitos: a vida é complicada, mas o Homem faz da complicação o objectivo da vida.

Quero eu dizer, há doenças, há velhice, necessidades, desemprego, dificuldades reais que impedem que se viva no bem-bom. Claro que sim, toda a gente tem a sua quota-parte destas misérias.

Mas o Homem, que é sempre perfeccionista, considera esta uma realidade pobre e, vai daí, complica. Complica sempre, porque as coisas simples são para ele anti-naturais.

Há doença? Pois é melhor fazer um check-up à família toda, porque deve haver mais alguém muito doente. Se não houver ninguém, alarga-se o rastreio.

Velhice? O raio do velho não pensou nisso quando era novo e agora eu é que me aguento? Sinceramente, o velho não vê que a vida já é tão difícil, quem é que o mandou envelhecer até esse ponto, afinal?!?

Necessidades? Era o que mais faltava, já me bastam as minhas. Além do mais, a culpa é desses gajos, quem os mandou precisar de terceiros?

Desemprego? Ora eu sempre disse que a rapariga devia ter ido mas é estudar costura, há sempre falta de costureiras. Mas claro que não me ouviu, quis ir para Física Nuclear e agora não tem que comer... Bem, pode vir jantar cá a casa, mas terá de me ouvir até sair porta fora.

Dificuldades? Ora esta gente pensa que é tudo simples, pois não vêem que é tudo muito complicado?!? É que se não for complicado é porque alguém não está a ver bem o problema. De certezinha. Mas nós estamos disponíveis para explicar.

E se não se arranjar mais nada, mesmo mais nada, pode-se sempre ter uma discussão irritada sobre o Dalai Lama e a situação do Tibete. Essa resulta sempre, mesmo que as coisas estejam bem - é certinho como a noite que de repente fica tudo complicado.

Hélas!

domingo, 23 de agosto de 2009

Ó tempo, volta para trás...


O meu relógio deve estar avariado.

Ainda ontem disse a uma amiga que lhe telefonava para combinar um jantarito no sábado. Hoje ela telefonou-me e verifiquei que entretanto se tinham passado 2 meses. Não me perguntem por onde passaram porque eu nem os vi.

O meu vizinho de cima rosna qualquer coisa que soa como "pois, minha linda, julgas que grrunf, grraf, tá-se a ver, grrof, o tempo espera por ti..."

Não o entendo e não é por causa dos grunhidos - tenho lá culpa que os meses desapareçam como o Houdini?!?

Hélas!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Férias


Agosto é desesperante.

- Já foste de férias?
- Quando é vais de férias?
- Quando é que voltas das férias?
- Ai, a gaja está de férias?!? E quem é que a substitui? O Manel? Ah, mas esse também foi de férias, só volta para a semana.
- Não te preocupes que o cliente está de férias (eu estou rouca de explicar que o cliente NUNCA está de férias, está simplesmente à espera da nossa resposta. Esperar na praia ou no sofá do escritório é irrelevante)

Ora batatas que nunca mais chegam as minhas.

Hélas!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Mas que desleixo!


Isto está um Congo, nunca vi coisa assim.

Já passou mais de uma semana depois do último artigo e o silêncio na horta é sepulcral, nem se ouvem as minhocas; passou-se o dia 11 e a poesia ficou onde mora, amuada e muda; há umas visitas relâmpago - normalmente silenciosas - a sítios do coração e mais nada.

Uma vergonha verdadeiramente vergonhosa, tal calaceirice. Só para perceberem bem a gravidade da coisa, o meu vizinho de cima desceu as escadas a assobiar, olhou para a minha cara e tornou a subir. Não disse nada (eu também não, só olhei para ele, um olhar inocente, juro!).
Fiquei com medo de me ver ao espelho, o meu vizinho não se assusta com facilidade e ainda é mais difícil manter aquela boca fechada.

Isto é de um desleixo verdadeiramente digno de político, ai isso é. Deve ter sido isso que o assustou.

Hélas!

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O Poste


Eu vinha para casa (mais precisamente, ia a caminho do parque de estacionamento onde está o carro que me levará a casa mas isto já são minudências), como sempre de olhos postos no chão, cega, a fitar as pedrinhas hipnóticas da calçada, a pensar na contingência da vida, nos gafanhotos e nas ameijoas de aquacultura, óptimas porque não têm qualquer areia, e nisto atropelei um poste.

Nasceu ali, sem qualquer aviso e à sorrelfa; aposto que mantém a contagem dos palermas que chocaram com ele, que isto agora já não há respeito nem por parte dos postes.

Uma coisa leva a outra, já sabemos o caminho destas coisas portanto deixo aqui apenas a pergunta final de um longo caminho muito lógico (entretanto entrei no carro e fiquei novamente hipnotizada, desta vez a ouvir o Nabucco):

Porque diacho é que toda a gente acha o pôr-de-sol no mar mais bonito?

Hélas!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Olhai os lírios do campo


Olhai os lírios do campo: não trabalham nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, com toda a sua glória, se vestiu como um deles.

Olhai os lírios do campo e vede: metidos no campo ou no vaso horrorosamente roxo da vizinha, sem qualquer liberdade de vestir umas jeans fora de moda e uns ténis rotos. Olhai para eles mas olhai bem: não podem apanhar uma piela, bater no vizinho, correr a salvar uma filha do desespero ou deitarem-se do vigésimo andar a rir.

Olhai e tende misericórdia - uma espécie de vitamina da alma - mas sobretudo, sobretudo, olhai e tende gratidão.

Olhai os lírios do campo. E reconhecei a graça de não serdes um deles, ricamente ajaezado, ricamente agrilhoado, ricamente limitado.

Antes ser pobremente feliz e dolorosamente livre. Com umas sandálias freak, uma camisa aos quadrados, umas calças roxas com riscas azuis e a infelicidade garantida em qualquer dos ilimitados recantos do livre arbítrio.

Obrigada, Senhor, por não ser um lírio do campo.

Hélas!