Bom, toda a gente sabe que há dias para esquecer.
Dias que correm mal, de manhã à noite. Aqueles dias em que suspiramos por ir dormir, para ver se a sorte aziaga se perde de nós no escuro.
Nesses dias, temos o pavio muito curto, não é? Explode-se sem razão para isso - diacho, razões até há muitas, não têm é nada a ver com o que se passa no momento ou com quem tem o azar de estar à nossa frente a bocejar...
Tão alerta que estou para este fenómeno, já tenho um reflexo quase condicionado: quando a minha própria temperatura começa realmente a subir, caem as persianas da alma. Fico assim tipo boi de olhos mornos e ouço tudo com uma impessoalidade total, incluindo insinuações maldosas, falsos factos, acusações injustas ou mesmo insultos. Raramente fico alterada - quanto mais grave o conflito, mais grossas as persianas descidas.
Parece até bom, não parece? O problema é que normalmente também tomo decisões. São usualmente definitivas e impermeáveis a qualquer raciocínio posterior, por muito razoável e sensato que possa parecer. 99,999% das vezes a decisão é definitivamente definitiva (só me lembro uma vez na vida de ter voltado atrás numa decisão deste tipo e foi por causa de uma paciência absolutamente de santo, uma persistência pior que uma pastilha elástica no cabelo, tudo aliado a uma delicadeza quase oriental).
A temperatura, embora pareça baixa, na realidade está alta. Queima-se o pavio e é a cera que está a ser consumida, em chama alta ainda que invisível - é assim.
Em outros vejo reacção diferente, esbravejam, discutem e cospem, são tão emocionais, subjectivos, pouco racionais! As tais minhas decisões inamovíveis podem não ser as melhores mas são racionais e objectivas.
E depois, quem cospe, esbraveja e se ofende, 3 dias depois parece ter esquecido tudo - o ultraje escafedeu-se no éter, desapareceu e não deixou descendência. Já comigo, o conflito que fez descer as persianas jamais é esquecido, mesmo que não tenha sido pessoal. Não sou rancorosa, não sou mesmo, e também não faço minhas as dores alheias. Mas não me esquece, ainda que não tenha sido comigo, o que me fez subir a temperatura.
A que propósito vem isto? Bem, é que me deu para a introspecção e surgiu a pergunta: será realmente melhor isto que desatar a insultar o pirralho que me tocou num ombro, na fila do autocarro?
Deixo-vos a questão. Não sei o que parece mas garanto que não é nada simples.
Hélas!