domingo, 1 de janeiro de 2012

Religiões


Eu não sou uma pessoa culta, já fui e já não sou, de modo que até conheço a diferença.

Mesmo nos meus tempos de pessoa culta, nunca dediquei grande tempo a estudar religiões, sempre me pareceu um bocado desperdício de tempo porque estava - ainda estou - convencida que, no fundo, no fundo, tudo se resume a uma questão de fé e a fé não é racional, embora possa ser racionalmente induzida em outrém.

Mas leio algumas coisas, de quando em vez. E de vez em quando analiso e discuto ideias e dogmas com pessoas de outras religiões.

De cada vez que isso acontece, sai mais reforçada uma convicção muito minha: se alguma vez deixar de ser cristã, só poderei ser ateia. Todas as outras religiões exaltam demasiado o bem estar próprio, com idiotices (na minha douta opinião, claro) do género "se não te amas, não podes amar os outros", ou "se não estiveres de bem contigo, não podes estar de bem com ninguém". Como se, para ajudar alguém, fosse necessário cuidar primeiro de si próprio, como nos dizem para fazer quando caem as máscaras no avião...

Não há nada de errado em cuidar primeiro de si próprio mas, na minha opinião, há algo de muito errado quando se acredita que o Bem é a necessidade dos outros estar sempre depois da nossa. Que temos a obrigação de velar pelo nosso umbigo antes de acudir a outro.

Não sei se isto é apenas uma estratégia para captar crentes (as pessoas, como toda a gente sabe, são egoístas - uma religião ou uma filosofia que lhes diz que isso é bom deve ser muito cativante) mas sei que esta maneira de ver a vida não me convence. Acho sinceramente que o egoísmo (independentemente de eu ser muito egoísta também) não é coisa boa e deve ser combatido.

Pode ser ignorância minha mas só conheço uma religião que diz "esquece-te de ti, os outros devem estar primeiro" e essa é a cristã (católicos, protestantes, etc, aquelas que aceitam Cristo como Deus - acho que os Judeus não exaltam o Eu mas em contrapartida também não incentivam a abnegação pelo nosso semelhante). Todas as outras de que tenho lido, conversado, ouvido, põem o Eu em primeiro lugar.

Só os cristãos reconhecem um louco leproso ou um tipo bera como seu irmão (para o resto da malta em geral é o "outro", um desconhecido sem qualquer relação connosco) e lhe estendem a mão (mesmo a tremer de repulsa!). E se a pessoa não for capaz de lhe estender a mão, terá de ser cristã para se sentir mal por isso - as outras religiões dizem-lhe que "não estava preparada", "que precisa de maior trabalho no seu eu interior", etc, etc, ou seja, que a culpa não é sua.
E é, é sempre escolha nossa.

Além do mais, ou não leram ou não concordam com o poeta que leio e com quem concordo:

"(...)
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim."

Ainda por cima, acho que o gajo era ateu.

Bom 2012, cambada.

10 comentários:

teresa g. disse...

Um dia ainda havemos de falar sobre isso. Sobre o budismo, por exemplo, cuja 'versão' ocidental, com toques de new age anda por aí bastante deturpada.

Um dia, que agora ando pouco dada a discussões longas, como esta :)

Bom ano, Mac!

teresa g. disse...

PS - quem era o gajo? Não reconheci os versos.

Maria de Fátima disse...

ah! mas minha querida, a norma do cristão faz más consciências e pouco mais, que eu vejo pouco, quase nada, quando realmente o dito cristão "podia" exercer esse seu "dever" de ter repulsa ou sinmplesmente sentar o outro à sua mesa, quiçá deitá-lo na sua cama...
e sabe, querida? o cristão não tem essa de "cuide de si primeiro, veja se está preparado para a coisa...", mas tem outra bem mais eficaz na hora de "dar a mão", ele cogita: estarei a ser por ele,estarei a judá-lo de facto, ou antes, ao dar-lhe (a minha cama, o meu pão, o meu prato) não estarei a cercear-lhe a liberdade? a impedi-lo de obter por si mesmo e assim crescer? e diria mais não fosse irritar-me com estas merdas teóricas quando o essencial de ser desta daquela ou de outra religião crença ou modo de ser tido como pessoa, o mais importante É O QUE FAZES!
e tenha um 2012 repleto de boas palavras cunhada!

mac disse...

Teresa, o gajo é o Álvaro de Campos e este é um dos meus preferidos:

Contudo, contudo,
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.

Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim.

Álvaro de Campos, in "Poemas"


Não te zangues comigo, cunhadinha, mas o que fazes tem tudo a ver com a tua filosofia de vida, não é?

teresa g. disse...

Ah, ok, não li esses. Tem piada, logo esse gajo. Depois conto a piada, agora não dá. Esse gajo tb dá pano para mangas, pois.

mac disse...

Pois dá!

:)

Blimunda disse...

.../..."se não te amas, não podes amar os outros", ou "se não estiveres de bem contigo, não podes estar de bem com ninguém".

Pois eu, minha querida amiga, independentemente de qualquer religião, diria mais: amar os outros não é mais que amarmo-nos a nós próprios; estar bem com alguém não é senão estar bem consigo mesmo. Não há volta a dar - o epicentro das sensações e sentimentos é mesmo o próprio umbigo. Por isso o eterno "falso amor à borla" que tanto combates. Fazemos nada que não seja por nós mesmos. As lágrimas que deitamos pelos nossos que partiram não são senão fragmentos de pedaços do amor por nós mesmos que NOS levaram. Mac, minha querida, gosto de ti. Será porquê? Porque gostas de mim e. Ou seja, Ponto Final.

privada disse...

Mac explica-me para alem de religiões, porke de um modo geral elas são logicas:

Como é k eu posso dar uma boa palestra a um amigo k sofre, se eu nakele momento estou péssimo e deprimido?
Como posso evitar ke veja em mim o k não sinto?
Como posso ver bem o problema dele, se a minha visão está enviesada pelas minhas experiências e sentimentos?

privada disse...

Vejamos, se estou doente a minha percepção está alterada, se estou deprimido tbm, nessa altura k ao menos eu tenha a capacidade de não tentar ajudar ninguem....

mac disse...

Bli, sabes que não partilho essa teoria. Repito o que já te disse: isso é a racionalização que "desculpa" o nosso egoísmo natural. Numa coisa a Fátima tem razão: independentemente da fé, a nossa cultura judaico-cristã traz muita vez más consciências; e essa é uma maneira muito aceitável de fugir a esse desconforto.

Privada, na minha douta opinião, estás redondamente enganado. A nossa visão e a nossa percepção, deprimido, doente ou saudável, é sempre a NOSSA... É totalmente irrelevante o nosso estado.
Para ajudar alguém, basta estar disposto a pagar o preço. Não é preciso estar bem, nem estar saudável, nem estar preparado - é preciso estar disposto a pagar o preço.
Raramente estamos.