quarta-feira, 30 de abril de 2008

Vida II

Aqui há uns anos, suspirei para a minha cria, a propósito já nem sei de quê, provavelmente farta de interrupções no filme:

- Bolas, como eu gostava de viver sozinha!

Naquele dia, estava farta, mas mesmo farta, de me preocupar com o jantar e se estaríamos todos à mesa ao mesmo tempo, em vez de ir despreocupadamente para a borga com amigos; estava farta de ter de pensar em telefonar, se chegasse tarde; estava farta de partilhar a sala e o comando da TV, nos sonolentos sábados; estava farta de não ter a casa só para mim, com gente permanentemente a ir espreitar a geleira – podem ter nascido doces por lá, desde a visita de há 5 minutos atrás! - ou a roncar no sofá; estava mesmo fartinha de ser permanentemente interrompida no que quer que estivesse a fazer.
O suspiro era verdadeiro e sentido.

Ele riu-se:

- Mãezinha, mas tu nem sabes o que é viver sozinha, nunca viveste assim!

Diabo, não é que o diabo do puto tem razão outra vez?!? É que de facto não faço ideia do que é viver sozinha, toda a vida tive companhia, e boa companhia ainda por cima.

Wakeup call!!!

E se um dia eu chegar a casa e não tenha quem me endireite com gentileza a sobrancelha franzida por contrariedades menores?
Se não tiver ninguém que, conhecendo-me muito bem, ainda assim viva aparentemente satisfeito na minha companhia?
Se, de repente, não tenho ninguém que se ria alto de mim, à minha frente?
Se não tenho ninguém que seja mais importante para mim que eu própria?

Bolas! Devia mas é ir já acender uma vela a S. Teotónio, padroeiro dos mal-agradecidos...

E vou mesmo, daqui a bocadinho, no intervalo. Depois de ir fazer chichi. Os intervalos agora são enormes, deve dar. É que não quero perder a cena da Maria a sofrer por causa da sua vida tão difícil.

Sabem, é que a Maria tem alguns amigos, bons amigos, mas naturalmente com uma vida independente da dela. Não tem marido nem filho, o sofá é pequeno, no frigorífico só há verduras e nem nunca suspeitou que pudessem lá nascer doces.

Coitada da rapariga! Sem quem a interrompa um milhão de vezes, a provoque, se ria dela! Sem quem a chateie quando fica parva, sem quem lhe endireite a sobrancelha!

Hélas!

terça-feira, 29 de abril de 2008

Ficção científica?

Li - reli, na verdade - num livro de FC a referência seguinte: os animais (subentendido: os animais são inferiores do ponto de vista do uso da razão) são muito sérios. A vida é um caso muito sério - comer ou ser comido, procriar ou não, fazer a espécie sobreviver. Tudo questões de importância fulcral.

Por outro lado, as espécies dotadas de uma razão mais desenvolvida e sofisticada, sofrem de Humor. São capazes de se rir de si próprias, da sua espécie e do seu futuro. Conseguem, ao mesmo tempo que riem, fazer as coisas mais surrealistas, sacrifícios pesados e batalhas sem quartel. Mas riem-se. De si próprios, dos outros, da situação.

Bolas, eu nem vi a fila quando distribuiram esse bem - nesse aspecto, devo estar ao nível evolucionário dos vírus. Ou se calhar das alforrecas, porque eu até me rio; mas é sempre outro a descobrir a comicidade e mostrar-me quão risível é tudo... Abençoada malta!

Hélas!

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Medos

Todos temos os nossos medos. Medo de morrer, de ficar incapacitado, de ficar dependente; Medo de ficar sozinho na vida, medo de incêndios, de agulhas, de hospitais... Cada um tem o(s) seu(s). Há graus: uma pessoa que tenha os dois, por exemplo, tem certamente mais medo de ficar tetraplégico do que fazer figuras tristes em público. Isto são medos concretos.

Noutra categoria, vêm os medos abstractos: Tem-se medo de não se ser apreciado, de se ser um chato, tem-se medo de não se ser capaz de alguma coisa. Esta categoria é muito mais interessante porque é insidiosa e afecta comportamentos gerais, está sempre presente mas de forma disfarçada, transforma pequenos nadas em questões fundamentais quando desconfia que se trata de um sintoma...

Nesta categoria, eu tenho medo de ter a certeza.

Mesmo do que vi. Ou do que vivi. Desconfio da minha percepção - será que vi bem, será que vi tudo? Será que me apercebi da perspectiva? Terei a consciência correcta do que os outros percepcionaram?

O problema maior é que também não posso viver sem certezas, não consigo.

Podem ser temporárias, mas são certezas. Minto - algumas não podem ser temporárias.

Só coisas que me ralam.

Hélas!

Alcateia

Falta- me a vontade de ser chefe de alcateia - por variadas razões, a mais relevante das quais é que não concordo com a existência de alcateias.

Penso que poderia chefiar uma alcateia sem esforço (uma, alguma. Não qualquer uma, Deus me livre, para algumas falta-me não só a vontade como a capacidade).

Mas não, prefiro ser aquele que resmunga de longe, não exige, não obriga, não protege ninguém de si próprio, não confia a sua vida a ninguém, está permanentemente desconfiada e rosnadoramente solitário. Não é bonito, não ajuda ninguém e é prático no mau sentido mas pelo menos não protege e perpetua a natureza de alcateia.

Eu bem vejo as alcateias (equaciono até que posso pertencer a uma que não vejo por hipermetropia, sim, escusam de me dizer isso...). Mas não consigo conciliar a idéia de que é preciso ser chefe de alcateia para acabar com as alcateias; parece-me que um chefe de alcateia - mesmo e até, desgraçada incongruência - se for um bom chefe de alcateia, viabiliza e prolonga o seu conceito e existência. Uma coisa horrível, irreparável. A redução de indivíduos racionais a membros de grupo sem responsabilidade própria, pensada e deliberada. Inominável.

Batatas. Ontem esteve sol, no Algarve. Boa praia.

Hélas!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Fim de semana grande

Caríssimos: Vou de abalada prós Algarves, este fim de semana. Terra de gentios e malta de mau porte, mas onde fico mais perto do mar...

Lá não tenho mordomias como Internet - malandros, estes ISP, todos uns malandros que não se mostram minimamente atingidos com os meus protestos, nem sensibilizados com as recomendações para a disponibilização de acessos à Internet que não obriguem a assinatura (de acesso ou de linha) - pelo que a publicação de artigos e resposta a comentários não será de todo possível...

Bom Deus! Estou mesmo de férias!! :)

Hélas!

Saudosismo

Destesto saudosismos.

E não é por estar velha, já em nova os detestava. Tímidamente (eu era uma miuda tímida, acreditam?!?), com muito receio de deitar fora preciosidades valiosas de pessoas mais velhas e experientes (portanto mais sabedoras, dizia a minha inocência). Mas não gostava. Com todas as reticências que fazia (ainda faço, ai de mim, mas já menos, ai de mim...), não gostava da idéia de reviver o passado. Levava a comparações irrazoáveis, parecia-me, além de que corroía o presente.

Tão diferente tudo, tão diferentes nós... Mais novos/velhos, mais inocentes/cínicos, mais inexperientes/endurecidos... Para um exterior tão profundamente diferente, também ele; como se comparam feijões directamente da lata - comidos à fogueira, com 18 anos, muita inconsciência e muito espírito de aventura - com rebentos de soja num fino estufado, que recentemente a sobrinha favorita fez para o nosso jantar de 68º aniversário? Que raio de comparação é possível???

Não quero ter saudades de um tempo que não existiu - aquele em que vivi com 18 anos, olhado com olhos de 50. Isso vai envenenenar o meu tempo dos 50 e provavelmente já não terei tempo de olhar este com olhos saudosos e irrealistas de 80. Cheios de cataratas, já não vai dar para ver nada - e olhem, depois nem vivo, nem revivo...

Hélas!

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Elogio da preguiça

Sabem porque é que já não estamos no tempo das cavernas? Porque há malta muito preguiçosa.

Davam montes de trabalho, as cavernas - ele é perseguir as fêmeas com mocas pesadas, ele é caçar todos os dias senão a fêmea morre, ele é montar guarda ao buraco da entrada não vá a tribo vizinha roubar a fêmea, ele é andar à chapada com o vizinho por causa da pele dos bichos, que ainda por cima dão uma trabalheira danada antes que a fêmea a possa vestir, ela é deixar o brutamontes caçar a gente, ela é por o macho a caçar bichos maiores que ele para o jantar, ela é fingir-se interessada na tribo vizinha por causa dos tigres que rondam a gruta, ela é arranjar artifícios para vestir mais que os pelos com que nasceu... Quando se acabavam todos estes trabalhos, já não havia tempo,pachorra ou energia para um banho de sol.

Não há paciência para tanto trabalho.

Vai daí, a raça de preguiçosos labutou e voilá! Frigoríficos e isqueiros, portas com fechadura, perfumes com feromonas, fraldas de papel e lojas de trezentos.

Espero que a raça não tenha desaparecido - o que eu gostava agora era que me dessem conhecimento instantâneo.

Hélas!

terça-feira, 22 de abril de 2008

Pachorra

Acho que a pachorra (leia-se: paciência+tolerância+interesse...) é um bem limitado, que se vai gastando com o tempo e o uso.

Quando era nova, tinha montes disso; gastava tempo e estimulava intelecto e coração tentando compreender as razões alheias, estava sempre disponível para reavaliar permanentemente pessoas e situações, nada era conclusivo e tudo carecia de cuidadosa avaliação, possívelmente diferente da anterior, sabia que era importante ouvir mesmo quando os sons não prometiam nada de novo.

Isso é bom, parece-me. Minimiza os inevitáveis erros de apreensão, de análise, de compreensão e de falta de informação. O problema é que a pachorra gasta-se... Tenho muito menos disso, agora.

Hoje, quando vejo e oiço algumas coisas, falta-me. Acho que já vi, ouvi, analisei, raciocinei, avaliei e reavaliei vezes suficientes a questão. Sei que estou errada, cada pessoa é uma pessoa e é assim apenas daquela vez e naquelas circunstâncias específicas e se fulano fez isto por causa daquilo, é diferente do cicrano que fez o mesmo mas por causa de aqueloutro; eu sei - mas falta-me a pachorra. Gastou-se. Alguém sabe onde posso arranjar mais?

Hélas!

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Jantar dos primos

A catraia olhou para mim com um sorriso quente e disse:

- Tia, adoro os teus cozinhados!

Pudera: tinha estado a encher a barriga com aquelas entradas que se faz quando temos convidados, coisinhas saborosas que nunca se tem no dia-a-dia, sabores fortes que fazem mal se rotina.

Não lhe disse nada disto, claro. Julgam que sou algum monstro, para destruir aquela felicidade tão inocente de quem julga que a tia é um chef fantástico e tem pena que aqueles jantares não sejam todos os dias? Mas quem julgam vocês que eu sou?!? Não, eu sorri de volta (toda contentinha!) e respondi:

- Ainda bem que gostas!

Quando a mãe a fez comer o bacalhau, que ela não gosta mas que a alimenta melhor que as tostas todas juntas, olhei para o outro lado. Que pena a felicidade durar tão pouco!

Hélas!

domingo, 20 de abril de 2008

Discussão

Discutia-se acaloradamente o Estado e o seu dever e direito de retirar crianças a pais desnaturados, drogados, doentes e/ ou brutais (às vezes apenas muito pobres e ignorantes) e colocar as ditas em locais sem condições de humanidade, sem grande vigilância e sem amor.

O assunto é perturbador e reune condições para o incêndio... Os corações vibram, amordaçando a prudência habitual; invisíveis olhos inocentes olham para nós e impedem-nos de executar o habitual balanço entre o que se afirma em voz alta e o que se pensa de facto - as pessoas erguem a voz e defendem isto ou aquilo de peito aberto, e são boas pessoas embora não estejam de acordo.

Alguém diz: "- Bolas! Nunca mais puxo este assunto!"

Fiquei triste. Porque é que várias pessoas, visivelmente boas e decentes todas elas, a debater assim de coração aberto assustam? Porque é que a emoção, livre mas racional, desperta receios de guerras pessoais? É mais enriquecedora uma discussão franca com gente inteligente e que discorda de nós do que uma (des)conversa morna com alguém que concorda com tudo, certo?

O facto de discordarmos acaloradamente de alguém num qualquer assunto não significa que tenhamos esse alguém em fraca conta. Não significa que não sejamos seus amigos e não significa que achemos que só diz asneiras. Não significa guerra. No fim, geralmente fica cada um com a sua mas sabendo a opinião do outro dita por ele próprio; e isso não resulta em tensão e mau ambiente, se estes não existirem já.

Acho eu. Mas devo estar enganada. Aquela reacção é frequente; normalmente quem a tem é uma pessoa boa e preocupada com estes receios.


Hélas!

sábado, 19 de abril de 2008

Escrita II

Escrever é um vício. Ainda por cima, pressupõe que há gente interessada, que o que dizemos merece ser perpetuado no tempo, que acrescentamos algo relevante ao que existe.

O pior vício de todos é aquele que não se identifica como tal, ficando dissimulado por uma capa de virtude que garante que a coisa é feita não para benefício de quem a faz mas de outrem; a escrita é assim.

Escrevemos isto ou aquilo, convictos que estamos a apresentar aos outros algo que merece a sua atenção, que estamos a fornecer alguma coisa em troca do seu tempo e razão; tudo disparates, o que a gente quer mesmo é perorar do alto do caixote.

Claro que uma beldade esbelta e saudável desperta maior benevolência que um sujeito feio, coxo e vesgo; por isso, quem escreve tem normalmente algum trabalho a burilar e aperaltar os escritos mas são tudo operações cosméticas; o lifting não retira nem um segundo à existência, apenas serve para enganar quem vê – nós ao espelho ou eles de fora.


Hélas!

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Sou contra

Sou contra a progressão automática na carreira e contra os direitos de antiguidade; e também sou contra a estagnação automática e o direito da cunha.

Sou contra proibições por causa de "abrirem uma porta para o que vem a seguir" e também sou contra permissões porque "de qualquer maneira fazem-no".

Sou contra os delatores mas também sou contra o nacional porreirismo; e sou contra o derrotismo mas também contra o irrealismo.

Sou contra a hipocrisia mas também contra a violência, mesmo verbal - e sou contra o policiamento mas também contra o "deixa andar".

Sou contra o "salário igual para trabalho igual" mas também sou contra o "está acima (ou abaixo) do valor de referência".

Não há dúvida - sou contra... Bolas, bem me dizem que tenho mau feitio.

Hélas!

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Achaques

À medida que o tempo avança e o corpo perde elasticidade e vigor, a inevitabilidade da morte ganha importância.

Na infância e juventude a morte é uma coisa longínqua que não merece atenção e da qual nos rimos. Depois o tempo avança e mostra, sem piedade e sem remorso, que o longínquo afinal não é assim tão longe: começam a adoecer e morrer conhecidos, amigos e familiares, desaparecendo do nosso alcance riquezas que possuíamos sem saber mas de que repentinamente nos damos conta que existiam antes e não existem agora; o nosso próprio corpo começa a queixar-se com maior frequência e em voz mais alta.

Agora, a morte requer atenção e tempo. E começamos a pensar no que comemos e bebemos, se dormimos, começamos a fazer esforço físico sem objectivo maior que ele próprio, preocupamo-nos com as radiações e as tecnologias, enfim com tudo o que dantes não tinha qualquer importância.

Tudo para fugir ao inevitável o maior tempo possível – já sou sensível a isso, como é óbvio pelo artigo. Mas olhem: decidi dizer aos achaques que gostei muito de os ver mas agora não tenho tempo, o melhor é marcarem uma reunião para daqui a... algum tempo. Nessa altura conversarei com eles e darei a minha melhor atenção às suas preocupações. Ou então marcamos outra reunião!

Hélas!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Escrita I

A palavra escrita tem um tal glamour… As letras emprestam um ar sério, conferem dignidade e exigem respeito, sugerem estudo e afirmam isenção e autoridade.

Mesmo quando a ideia – quando existe tal coisa – é ridícula, indigna ou desprezível, idiota, ignorante ou maldosa – mesmo assim, as letras impressas requisitam tempo precioso para serem lidas, pois a sua natureza não se satisfaz com menos.

É espantoso. Como uma coisa considerada intrinsecamente boa – estudo, sabedoria, preservação de conhecimento estão implícitas – ao ser massificada e colocada à disposição e ao serviço de todos se revela subtilmente tal como é de facto: apenas uma ferramenta, que não pode atestar a qualidade da obra.

Todos sabemos que a qualidade do martelo não faz prova de boa carpintaria; mas estamos ainda a aprender que a qualidade da escrita não faz prova de qualidade do que é escrito.

A começar por mim – que diabo tenho eu a dizer aos outros que mereça o tempo necessário para lerem as letras??

Hélas!

Vida I

Honra seja feita à idade, que nos traz, além de cansaço e desencanto, o desembaraço de dizer o que se pensa.

Com razão de ser: já se viu muita vez o filme e já se sabe quais as probabilidades em jogo, já se ouviu os argumentos pró e contra várias vezes e a propósito de várias coisas, já se distingue entre publicidade e intenção real. Quem não o faz com os anos suficientes para isso ou é simples de espírito, ou não tem capacidade crítica, ou é ingénuo, tristemente porque sem direito a tal (os jovens bem formados têm esse direito – foram educados na certeza da bondade e do que é correcto e ainda não tiveram a experiência suficiente para distinguir entre o que gostaríamos que fosse e o que é, simplesmente). Claro que exactamente por estas razões, de vez em quando somos surpreendidos; e é uma sensação boa e revigorante, mas não retira um milímetro do que foi dito.

Mas os anos trazem também algum desembaraço em dizer o que realmente se pensa – e isso vale bastante, não só porque já se está cansado e desiludido mas também porque a honestidade real, que é boa, é agora mais fácil - embora existam sempre aqueles que não se exprimem livremente em voz alta pois aprenderam à sua custa que não é seguro; prezam a segurança e a imagem mais do que a honestidade serena e isso é um direito que lhes assiste neste mundo cão.

Mas eu não quero, consciente e activamente. E acho que isto não é virtude mas sim limitação e fraqueza: sei que a honestidade é perigosa (se sei!...) mas tenho muito mais medo do que a dissimulação dos meus pensamentos pode fazer aos meus valores. E receio tornar-me - sem sequer me dar conta, o que é o mais horrível, o mais terrífico, o mais insuportável - naquilo que deveras desprezo: alguém que é diferente da imagem que transmite.

Hélas!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Homo sapiens? Isso é que era bom!

Estive a ver (só um bocadinho!...) uma sessão no parlamento e verifiquei novamente um fenómeno que não cessa de me espantar: o tempo que a maralha gasta a insultar o interlocutor e a auto elogiar-se é no mínimo igual ao que é gasto com os argumentos que fundamentam a sua posição, seja qual for a discussão, os argumentos e o forum...

Houve tempo em que julguei que este fenómeno era fruto de falta de argumentos, de cultura ou de capacidade de expressão, que os insultos e auto-elogios se metiam no discurso para ganhar tempo quando nada mais ocorria ao pensamento e se mantinha a pressão da resposta imediata; mais tarde comprovei que não tem nada a ver com isto – os comentários em blogs são uma prova irrefutável nesse sentido, pois não há qualquer pressão de tempo – são feitos pachorrentamente ao PC e publicam-se quando se quiser – mas sofrem do mesmo defeito, pelo que só pode ser uma estranha característica atávica da nossa raça: bate no peito e ruge, talvez o tipo fuja e não dê mais trabalho… É assim, mesmo quando a profissão é justamente discutir - supostamente de forma racional e profissionalizada.

Para quem julgava que era homo sapiens, é um rude golpe.

Hélas!

Dúvida - ou o revisitar da(s) Economia(s)

Se calhar, apenas não gosto de acreditar no que me diz a evidência, muito simplesmente porque fala de mim ou de quem eu gosto e o discurso não é favorecedor.

Não acredito que "eles" sejam mais estúpidos que eu e sei que têm pormenores que desconheço a considerar; o mais provável é estarem noutro comprimento de onda. Se não vejo qualquer sinal activo do tal trabalho motivador... Se calhar é porque sou - e outros de quem eu gosto - bens que não são prezados, para os quais a porta da rua é serventia da casa e o que se deseja é que partam sem estardalhaço.

Como diabo posso saber de facto? A dúvida é insidosa e consumidora, castradora e debilitante. Bolas! Seja como for, isto não pode ser uma boa estratégia.

Hélas!

sábado, 12 de abril de 2008

Equívocos

Nós vivíamos numa Angola um bocado degradada e sem estruturas, quando o meu filho era pequenino. Eu lia-lhe uns livros de histórias que tinham numa página um desenho alusivo e na outra uma pequena quadra. Ele adorava aquilo e às tantas já sabia as quadras de cor – ai de quem tentasse roubar uma quadra a uma das histórias!

Numas férias em Portugal (nem me lembro que idade tinha, 3 ou 4 anos) passou por nós um carro de bombeiros, vermelho e acelerado, com a sirene a toda a força. Eu disse-lhe:

- Olha, são os bombeiros! Eles é que apagam o fogo!
- Não, mãe, quem apaga o fogo é o Principal – respondeu, muito sério.

Fiquei a magicar nesta estranha resposta e de repente lembrei-me da história dos bombeiros; a páginas tantas, dizia qualquer coisa do género:

“a casa ficou alagada / mas não faz mal; / apagou-se o fogo / foi o principal”.

Fiquei siderada: quantos mais disparates estaríamos nós a transmitir com toda a convicção, na perfeita ignorância daquilo que ele estava a apreender?!?

Ainda hoje não sei como imaginava ele o Principal, se era gordo ou magro ou se era sequer gente; do que me lembro distintamente foi da trabalheira para que ele compreendesse correctamente uma quadra que parecia tão clara.

Quantas vezes isto acontece? Muitas, diz-me a experiência precocemente alertada: muitíssimas. Até sem quadras, até com adultos, que dominam a linguagem e supostamente deviam perceber o que dizemos. Mas não – ninguém, a começar por nós próprios, ouve realmente o que é dito: ouvimos sempre o que julgamos que querem dizer…

Hélas!

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Lamento

Acordei com alma de lamento
Tanto que podia ter feito e não fiz!
Passou o Tempo em fogo lento
Gastou o tempo que quis.

Tantos que podia ter ajudado e não ajudei,
Tanto que podia ter feito e não fiz,
Tanto que podia ter aprendido e não sei,
Tanto que podia ter querido e não quis!
Tanto que podia ter visto e não vi,
Tanto onde podia ter ido e não fui,
Tanto que podia ter lido e não li!

Tanto, tanto, tanto…
Abaixo este arrependimento!
Mas tanto, tanto, tanto…
Acordei com alma de lamento.

Hélas!

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Manutenção

Genericamente, não gosto de Manutenção. É um trabalho chato e repetitivo, que serve apenas para sustentar qualquer coisa que já existe e não traz nada de novo e refrescante - uma seca, fujo disso a sete pés. Mas se quisermos de facto preservar uma coisa, qualquer que seja… Bom, é indispensável.

E aqui bate o ponto: imaginem uma coisa única e preciosa, daquelas que se pode passar uma vida sem encontrar; imaginem uma coisa sem a qual é possível viver mas que anima a nossa existência, imaginem uma coisa assim - qualquer coisa que vos acenda essa luzinha.

E agora imaginem que não podem pagar a ninguém para a chatice da manutenção - não é como a lida da casa ou a passagem da roupa, que mantêm a nossa toca mas que qualquer pessoa pode fazer – é simplesmente uma coisa que tem de ser feita pessoalmente ou então não tem efeito.

Já pensaram? Tem de ser regular, apeteça ou não. Tem de ser feita, mesmo que o dia tenha sido horrível e a gente só queira ir dormir. Tem de ser fiável e digna de confiança, mesmo que a gente não esteja para aí virada. Leva o seu tempo e tem de ocupar as nossas preocupações, mesmo quando estamos aflitos com outras coisas muito importantes. Se falharmos, mesmo sem perder a tal preciosidade, algo se perde - um brilho, um pormenor, uma curva ou uma aresta que ficam sem relevo, uma concavidade que desaparece; qualquer coisa que mais tarde – provavelmente quando mais precisamos dela – nos vai fazer uma falta imensa… E que jamais se recupera.

Bem, estão a perceber porque é que insisto em certas coisas: considero que certos eventos, certas atitudes, são essenciais à Manutenção de algumas coisas que me são preciosas; e não há nada tão fácil como perder a regularidade de fazer as coisas que têm de ser feitas sempre, dão trabalho, requerem esforço e só de vez em quando é que apreciamos verdadeiramente. Mas não há outra maneira. E vale a pena.

Hélas!

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Publicidade

Eu gosto de publicidade e de spots publicitários. Bem feitos, são obras primas do nosso tempo acelerado: em segundos, contam histórias enormes - a nossa cabeça preenche muito satisfatoriamente os buracos - cheias de graça, apelativas e que nos tocam: uma boa definição de obra de arte.
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Dito isto, deixem-me que vos diga outra coisa: infeliz, a campanha. O rapaz é um génio da bola, não um génio das finanças! Que se saiba, a conta que se presume choruda não provem de operações financeiras, foi feita com os pés.
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Seria muito mais eficaz se utilizassem o Jardim Gonçalves - aí, sim, era ver as filas à porta do Banco! Claro que tal nunca seria possível, pois o JG não trabalha com os pés e sabe muito bem que não é aconselhável apregoar na TV que tem uma gorda conta.
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Já agora: tal como na Folha de Couve, há 2 (quase) tabus, nO Resto da Couve: futebol e gracinhas sexuais (um blog feminino, imagino já certos narizes torcidos - e até pode ser, mas é a minha natureza...). Isto para garantir que este artigo nada tem a ver com futebol!
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Hélas!

Economia(s)

Chateia-me profundamente ouvir dizer a alguém que os seus activos humanos são o seu bem mais precioso e depois, na passada, dizer que os seus colaboradores devem ser capazes de se auto-motivarem.
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Desde quando é que se espera que o nosso bem mais precioso tenha vontade de se manter nosso? Eu cá não espero nada disso; antes defendo activamente a manutenção dos meus bens mais preciosos, tenho trabalho a motivá-los se eles forem capazes de tal coisa e vigio permanentemente o resultado desse trabalho. Se não me interessam, aí sim, a porta da rua é serventia da casa, embora duvide sinceramente que esses bens a utilizem - principalmente para sair, que seria o mais vantajoso para mim por parte de bens que não prezo e ocupam espaço na minha casita. Mas sobretudo, não confundo uns com os outros, não os meto no mesmo saco, o que me parece essencial.
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E nunca, nunca!, me passa pela cabeça esperar por qualquer coisa que é do meu interesse fazer acontecer. Luto por isso, que é uma atitude radicalmente oposta.
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Como dizia o outro,
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"Bem, vamos embora,
que esperar não é viver;
Quem sabe faz a hora,
não espera acontecer"...
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Claro que o que me chateia a sério, mas mesmo a sério, é julgarem que sou atrasada mental e não raciocino sobre o que diz um tipo apenas porque é considerado importante, independentemente do que Sua Senhoria diz.
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Hélas!

terça-feira, 8 de abril de 2008

Aniversário

Depois de um esforço insano, um ano inteirinho a trabalhar para isso e sem descansar nem ao fds nem aos feriados, depois de passar tudo o que vocês possam imaginar que se pode passar num ano, adivinhem?
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CONSEGUI!!!
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Consegui somar mais um à minha colecção! E esta, heim?
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Hélas!

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Conspiração

Querem-me matar com uma doença respiratória (pneumonia na certa, a fumar ao ar livre com este temporal que uiva às minhas orelhas), só para poderem dizer que fumar faz mal aos pulmões.
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Bolas, dêem-me uma sala quentinha e sem chuva, que de bom grado eu própria vou à TV dizer que fumar faz mal - até choro e tusso convulsivamente, se acharem necessário!
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Era muito mais eficiente a desencorajar as criancinhas, poupava dinheiro ao SNS pelo meu internamento prematuro e até beneficiava a economia porque o meu empregador poupava uns tustos com a minha produtividade exacerbada pelo conforto... E para mim também era melhor.
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Hélas!

Amizade

A amizade é uma preciosidade rara. E, como outros sentimentos fortes, tem o seu fundamento na confiança. Só somos capazes de dar a nossa confiança a quem de facto somos bastante amigos, porque acarreta um peso grande – o de não falharmos. Se alguém só é digno de confiança em certas coisas, está tudo estragado - quais coisas? As que têm importância para ele ou as que têm importância para mim? Como é que sei? Vou ter de verificar, lá se vai a confiança.
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Disse-me alguém que muito prezo que isto coloca uma grande carga nos outros, que têm um peso desgraçado para viver de acordo com o meu modelo. Verdade – mas também eu carrego comigo esse peso por causa deles… Cada um tem uma obrigação com o outro e nem sempre isso é agradável ou confortável mas só assim é que são de facto amigos. Se não, são apenas companhia de café.
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Claro que só estou disposta a um esforço destes com pouca gente; dos outros nada espero e provavelmente nada esperam de mim e isso nada tem de mal. Somos simpáticos uns para os outros porque isso torna mais agradável a bica e é sempre agradável uma bica agradável…
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O esforço de não desiludir a confiança de alguém é demasiado grande e pesado – só o consigo oferecer a pouca, muito pouca gente. Até porque sei o que dói, quando estamos convencidos que somos amigos de alguém e depois descobrimos que afinal a pessoa não quer pagar essa conta, está cansada e largou a carga, teve coisas mais importantes em que pensar e julgou que não tinha importância - não quero ser esse alguém porque depois não dormia bem.
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Mas se um tipo te vem contar que fez “isto” – qualquer coisa de que tu até desconhecias a existência, como ele bem sabe - apenas para tu perceberes porque razão está ele a pedir desculpa, podes ter a certeza que tens um amigo. Esse.
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Hélas!

sábado, 5 de abril de 2008

Mais vale morrer doente que cheio de saúde

Um amigo tinha o hábito de dizer que mais vale ser rico e com saúde que pobre e doente.
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Eu concordo com ele mas senão puder ser, então por favor que morra rica e doente, ao invés de pobre e saudável. Mas se também não puder ser assim (bolas, mas que picuinhas que vocês são) - então prefiro morrer apenas doente. De preferência tão doente, tão doente, que morra sem dar tempo a pensar no que poderia ter feito e não fiz.
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De outra forma, volto cá para assombrar todos aqueles que hoje me enchem a moleirinha com conselhos saudáveis e bem intencionados. Juro que nunca lhes perdoarei a frustração de morrer com tanta saúde.
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Hélas!

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Reunião

Há situações que são surrealistas. Tão surrealistas que damos por nós a dialogar connosco próprios, na paz abençoada da caixa craniana:
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- Eu devo estar com um problema qualquer mental... Isto não pode estar a acontecer, pelo menos não da maneira como estou a aperceber a coisa! - diz o connosco.
- Se não te conhecesse bem, apostava que tinhas estado a chutar para a veia - responde o próprios.
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Quem lá esteve, percebe o que quero dizer. Quem não esteve não perdeu nada; é que, realmente, eu não chuto para a veia.
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Hélas!

quarta-feira, 2 de abril de 2008

As crias

Estive - mais uma vez!! - a discutir filosofia com a cria... Tem umas ideias interessantes e subversivas, a propósito da filosofia de grupo. Deixa-me a pensar, a pensar, a pensar... Raio das crianças!!!
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O raio do puto tem uma maneira de balançar um adulto equilibrado!!!! Uma pessoa cheia de experiência de vida, calcinada, cínica e endurecida... Cheia de calos e depois vem uma criança (quase) imberbe e balança o barco?!? Não há direito. Bolas, mas afinal quando é que atingimos o estado de graça de senhores da verdade??? Tenho de perguntar ao Marcelo.
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Rais partam as crias - sempre a obrigar uma dona de casa cansada a repensar as suas certezas, com uma graça e um carinho desarmantes. E com argumentos racionais e coerentes, com uma Razão de invejar, com uma escuta atenta, crítica e sincera... Rais partam os putos. Desarmam-nos com a Razão, deitam-nos ao chão com elegância e Eficiência, beijam os restos e dizem: - Gosto de ti.
E uma gaja fica feita em fanicos.
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A repensar 48 (!!!?!) anos de certezas.
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Hélas!

terça-feira, 1 de abril de 2008

Organizar a pensadura

Já repararam que por vezes, quando explicamos uma dúvida a alguém, subitamente se faz luz e já não precisamos de explicação nenhuma? A minha teoria (tenho dúzias disso, às vezes até tenho mais de uma para o mesmo assunto, ehehe...) é que para explicar a dúvida somos obrigados a organizar o pensamento e obrigamo-lo a ter princípio, meio e fim, de outro modo ninguém nos entende.
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O resultado deste processo organizativo é tornar claros os buracos por onde se escoava a compreensão; o colmatar dos ditos buracos, para tornar coerente o discurso, tem como consequência natural o aparecimento claro, claríssimo, da coisa.
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Escrever tem o mesmo efeito, pelas mesmas razões. Ficam à mostra as incoerências e os vazios, nascem as ligações, inferências, consequências e conclusões... E a idéia fica clara, claríssima - se houver alguma, claro. Se não houver fica apenas a retórica elegante e é um bibelot como outro qualquer.
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A escrita não é um processo criativo, pelo menos para mim - é um processo descritivo, organizativo e, se eu lhe der tempo suficiente em banho maria, um processo de síntese que retira o pormenor supérfluo e deixa o sumo - mais pesado e mais compacto, mas mais rico e relevante.
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Não quer isto dizer que aqueles que são incapazes de escrever de forma compreensível sejam pouco dotados do ponto de vista intelectual - mas acho que a sua organização mental não é passível de ser partilhada e certamente que têm dificuldades em se fazerem entender por terceiros - o que é sempre uma perda porque os terceiros são uma fonte inesgotável de enriquecimento, principalmente quando percebem qual é a nossa questão.
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Hélas!